Associação de Fertilidade vão lançar petição para debater anonimato de dadores
Petição vai ser lançada em conjunto com a Sociedade Portuguesa de Medicina Reprodutiva. Recolha de assinaturas começa na próxima semana.
A Associação Portuguesa de Fertilidade e os especialistas nesta área vão lançar uma petição para obrigar o Parlamento a debater a decisão do Tribunal Constitucional de acabar com o anonimato dos dadores e resolver o "marasmo legal causado".
"Em conjunto com a Sociedade Portuguesa de Medicina Reprodutiva vamos lançar uma petição pública por entendermos que esta confusão legal [criada pelo acórdão do TC] necessita de uma regulamentação urgente", disse a presidente da Associação Portuguesa de Fertilidade (APF) à agência Lusa, à margem do simpósio "Procriação Medicamente Assistida - Que futuro?", que decorreu esta sexta-feira em Lisboa.
O objectivo da petição, cuja recolha de assinaturas irá começar "o mais tardar no início da próxima semana", é forçar o parlamento a "pegar urgentemente no assunto [para] que resolva o marasmo legal causado" pelo acórdão do passado mês de Abril do Tribunal Constitucional, que considerou inconstitucionais algumas normas da lei da Procriação Medicamente Assistida (PMA), nomeadamente o anonimato dos dadores de gâmetas.
Cláudia Vieira adiantou que esta decisão do tribunal foi "uma total surpresa": "Nunca pensámos que este acórdão viesse a cobrir esta questão do anonimato e o que é mais grave para nós é mudarem as regras do passado", considerando "punitivo" o "efeito de retroactividade" da lei.
Para a responsável, devia ter sido definido um processo de transição para que os tratamentos iniciados pudessem ser concluídos e os embriões criopreservados protegidos.
"Neste momento, os embriões que estão criopreservados, o único destino que têm, se os dadores não concordarem levantar o anonimato, é serem destruídos", lamentou, lembrando a "carência enorme de dadores" em Portugal.
Portugal tem de importar muitos gâmetas de Espanha, onde o anonimato é obrigatório, o que leva a que os dadores não possam ser contactados para saber se estão dispostos a levantar o anonimato.
Cláudia Vieira explicou que os embriões cujos dadores não derem autorização para levantar o anonimato têm de ser destruídos. "Se não forem, os casais beneficiários não podem iniciar novos tratamentos".
"Quem avançou com todo este processo e quem decidiu - neste caso o tribunal - não pensou nas repercussões que o efeito retroactivo poderia ter", disse, rematando: "uma coisa é mudarmos a lei e, a partir de agora, as pessoas saberem as regras e concordarem com elas, outra coisa é tentar alterar o que tem vindo a ser feito há mais de 12 anos".
Segundo Cláudia Vieira, têm chegado à associação muitos pedidos de esclarecimento por parte de pessoas que têm os embriões criopreservados e não os podem utilizar porque não se consegue contactar os dadores. "Isto é uma confusão legal de tal forma que as pessoas estão com as vidas em suspenso".
Vidas em suspenso
Márcia Santana é uma dessas pessoas que tem a vida em suspenso, conforme contou no simpósio.
Depois de se ter deslocado duas vezes a Espanha para recorrer à PMA, onde os tratamentos não tiveram o desfecho desejado, Márcia Santana decidiu iniciar o tratamento em Portugal.
"Fiquei muito agradada e feliz no dia 13 de maio de 2016 quando vi a lei [houve uma alteração que alargou o acesso às técnicas a todas as mulheres] ser aprovada no parlamento", uma situação que se alterou no passado mês de Abril com a decisão do TC.
"Fiquei muito triste e "senti-me me extremamente impotente e revoltada com o que aconteceu", disse, contando o impacto que esta decisão teve na sua vida.
"Eu tinha três embriões, utilizei dois, infelizmente não tive uma notícia positiva, e resta-me agora um, que não posso usar porque o dador não aceita perder o anonimato [e] está no seu direito", disse Márcia Santana,
Neste momento, disse, "não posso usar o embrião a não ser que a clínica me deixe levar o embrião, antes de nascer, a passear até Sevilha, o que não deixa de ser irónico".