Centros de fertilidade devem questionar dadores sobre se querem manter a dádiva
Os sete processos de gestação de substituição que estavam pendentes são extintos por falta de suporte legal. Conselho Nacional de Procriação Medicamente Assistida determinou que esperma e óvulos importados têm de ser de dadores identificados.
O Conselho Nacional de Procriação Medicamente Assistida recomendou nesta sexta-feira, depois de ter estado reunido a analisar o acórdão emitido na terça-feira pelo Tribunal Constitucional, que os centros de fertilidade questionem todos os dadores de forma a saber se estes mantêm as dádivas apesar do fim da confidencialidade. O tribunal considerou inconstitucionais várias normas da lei da procriação medicamente assistida.
Os centros também terão de perguntar aos beneficiários "acerca da sua vontade de concretizar tratamentos de PMA [Procriação Medicamente Assistida] com a utilização de dádivas de terceiros cujo anonimato deixou de estar garantido". Em ambos os casos, avisa o conselho, "todas as manifestações de vontade devem ser expressas por escrito”.
Para além disso, ressalva o comunicado enviado às redacções, "o conselho deliberou que os efeitos das autorizações de importação de gâmetas já concedidas ficam restringidos à importação de gâmetas de dadores não anónimos".
Esta era uma das dúvidas apontadas por alguns dos centros de fertilidade ouvidos pelo PÚBLICO e que salientavam que esta é uma opção que vai encarecer os tratamentos, mas também dificultar a importação de gâmetas, já que em alguns países o anonimato dos dadores é garantido.
O conselho deliberou também "declarar extintos" os processos de autorização de celebração dos contratos de gestação de substituição que estavam pendentes - eram sete -, "por ter deixado de existir suporte legal".
Com o chumbo de algumas normas, surgem agora problemas para resolver. Muitos dos quais, salienta o conselho, "apenas poderão ser solucionados por via legislativa". Os membros do conselho lembram que é preciso saber que destino dar os embriões e gâmetas doados em regime de anonimato e como agilizar a "compatibilização do direito das pessoas nascidas com recurso a gâmetas ou embriões doados em regime de anonimato com o direito dos dadores à manutenção do sigilo quanto à sua identidade civil legalmente consagrado à data da doação".
Banco público com 31 dadores
Os membros do conselho alertam ainda para o facto de o fim da confidencialidade poder levar a uma redução significativa de dadores.
É ao banco público, que fica no Centro Hospitalar do Porto, que os hospitais do SNS recorrem quando os casais que acompanham precisam de gâmetas doadas. Mas a espera é superior a um ano no caso do esperma e a dois para os ovócitos por causa da escassez de dadores.
Segundo dados fornecidos ao PÚBLICO pelo Banco Público de Gâmetas, existem 183 beneficiários que precisam de ovócitos e 161 beneficiários que precisam de esperma na lista de espera nacional.
O banco público tem actualmente 31 dadores efectivos: 12 homens e 19 mulheres. Há ainda 53 homens e 98 mulheres candidatos em consulta médica, a que acrescem outros 57 homens e 59 mulheres candidatos que estão numa fase mais avançada do processo (fase de estudo).
A unidade pública já permitiu o nascimento de 104 bebés desde Maio de 2011, altura em que foi criada, até Dezembro de 2016.
Dádivas dirigidas?
Também o juiz desembargador Eurico Reis, que pediu quinta-feira a sua demissão do conselho em protesto contra o acórdão do TC mas que ainda participou na reunião desta sexta-feira, considera que o fim da confidencialidade "vai paralisar a PMA em Portugal". "Objectivamente isto [fim do anonimato] vai provocar dificuldades na utilização de gâmetas, vai tornar mais cara e difícil a importação de gâmetas e baixar as dádivas dos portugueses", salienta.
No caso de material importado, será preciso recorrer a países onde o anonimato não é obrigatório, reduzindo assim o número de bancos a que os centros poderão recorrer. Muitos doentes são seguidos em clínicas privadas, por causa do longo tempo de espera. A importação de gâmetas vai elevar o custo dos tratamentos. No esperma, o material de um dador não anónimo pode ultrapassar os mil euros — uma amostra portuguesa pode ficar pelos 300 euros —, enquanto que a importação de óvulos pode custar mais de 4000 euros. A somar aos restantes custos do tratamento.
Mas Eurico Reis, que foi presidente do conselho durante dois mandatos, alerta ainda para outros possíveis efeitos do acórdão do TC. "Este acórdão vai permitir que um casal de lésbicas chegue a um centro de PMA acompanhado por amigo para doar esperma. Até aqui, as dádivas eram anónimas, mas agora como não há essa obrigação, se o dador em causa consentir isso, não está proibido. O acórdão do TC abre a porta a dádivas dirigidas."
"Além de, como refere o comunicado, poder levar à destruição de embriões. Não é a minha terminologia nem a convicção que tenho pela noção de embrião que tenho, mas que para certos grupos da sociedade será matar embriões", acrescenta.
Pedido de audição do conselho de PMA
A deputada do PS Maria Antónia Almeida Santos vai entregar na próxima semana um requerimento para que o Conselho Nacional de PMA seja ouvido no Parlamento. "Este é um primeiro passo", disse a socialista, para que se possa encontrar uma solução o mais rapidamente possível para a questão do fim da confidencialidade dos dadores.
O grupo parlamentar do PS, adianta a deputada que considerou que o acórdão do TC "tem muitas incongruências", ainda não analisou o acórdão internamente. Mas Maria Antónia Almeida Santos assegura que há deputados do partido "com vontade de fazer alguma coisa" para solucionar a questão. "Este foi um processo que demorou muitos anos e não era justo não fazer nada. Alguns deputados vão tomar a decisão de fazer um novo projecto acatando os fundamentos do TC, mas um projecto tem fases processuais que demoram", diz.
Moisés Ferreira, do BE, reforça a disponibilidade de encontrar uma solução para as normas chumbadas. "O tribunal considerou a gestação de substituição constitucional, que o modelo não leva a problemas de dignidade das pessoas envolvidas. É preciso ir às normas chumbadas e adaptá-las. Queremos primeiro estudar o acórdão e ouvir os outros partidos, começando pelos que aprovaram a lei", afirma.
No CDS também ainda não houve tempo para o grupo analisar em detalhe as questões relacionadas com o fim do anonimato dos dadores. "É evidente que existem problemas que têm de ser resolvidos à luz da lei, como saber o destino a dar às gâmetas e embriões criopreservados que foram doados com o princípio da confidencialidade. Terá de ser resolvido rapidamente porque não podemos parar as técnicas de PMA. São questões que têm de ser analisadas com muita cautela. No imediato será contactar os dadores e perguntar se não se importa de revelar a identidade", diz Vânia Dias da Silva.