“Ninguém se salva a pescar sardinha seis meses por ano”

No porto de pesca de Sines, a sardinha está a ser vendida a pouco mais de dois euros por quilo. PCP quer mais estudos sobre recursos disponíveis e enaltece medida aprovada em Bruxelas de possibilidade de fixar margem máxima ao intermediário quando houver desequilíbrios.

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Nelson Garrido

Os três barcos de pesca de cerco chegaram de manhã cedo ao porto de Sines. A azáfama é grande: descarregam-se as caixas, separa-se o peixe – sardinha, carapau, cavala –, recolhem-se as redes, as gaivotas procuram a sua quota parte. Dezenas de pessoas trabalham por um punhado de moedas. A menos de uma semana dos santos populares, o barco Estrela do Mar vendeu a sardinha na lota a 42,8 euros a caixa de 28 quilos, cerca de euro e meio por quilo. O carapau nem valor comercial tem, a cavala sai a 60 cêntimos o quilo.

“Assim ninguém se salva”, diz José Alberto Telo Faria, armador e mestre que há 30 anos trocou a função pública pela vida do mar. Valeu a pena durante muito tempo, agora não. Ao sair a lota com um balde de sardinha na mão para levar para casa, cruzou-se com a comitiva do PCP que vinha a chegar e aproveitou para fazer a sua intervenção “como se estivesse na Assembleia da República”. Contesta as quotas de pesca de sardinha – 130 caixas de 28 quilos por dia, no porto de Sines –, sobretudo os seus fundamentos.

“Os políticos têm de dar ouvidos ao poder científico, mas o poder científico pode perceber muito bem de biologia marítima, mas não percebe nada de pesca”, diz o também antigo bancário, bom em contas e conhecedor do mar. “A sardinha é uma espécie pelágica, que anda à boleia das correntes marítimas, constantemente em movimento, e que não é facilmente quantificável por um navio oceanográfico como o Noruega, que está parado”, defende.

“Um navio parado não faz investigação de mar. Por isso é que a ministra tem optado pela contratação de barcos de cerco e que têm demonstrado que há mais sardinha do que o Noruega diz. Cem barcos de pesca de cerco são dois mil trabalhadores, que só podem pescar seis meses por ano. Ninguém se salva”, afirma.

A sua percepção é que haja qualquer coisa como 800 mil toneladas de sardinha, muito mais do que as 300 mil que dizem os relatórios europeus, mas cerca de metade do que havia há 40 anos: “Bastava trabalhar a desova dessas 800 mil com alguma contenção para nós podermos pescar por muitos anos”, defende.

O problema é que, além da sardinha, “não há mais nada”, garante este homem do mar. “Isso é outra ilusão, há quem pense que por termos uma plataforma continental muito grande temos muita variedade de peixe, mas não há, porque o mar está a morrer, o poder económico está a matar o mar.”

No final da reunião com a administração da Docapesca, os deputados do PCP vieram dar razão ao armador e às iniciativas que os comunistas já defendem nos parlamentos nacional e europeu há cerca de um ano. “É preciso investimento nos meios humanos e tecnológicos para conhecer os recursos piscícolas e biológicos, de forma a assegurar a pesca e, ao mesmo tempo, a preservação das espécies, e por outro lado garantir uma maior rentabilidade da pesca, sobretudo o preço da primeira venda”, argumenta o líder parlamentar, João Oliveira.

PCP reclama vitórias em Bruxelas

O problema da sardinha em particular, confirmam os deputados comunistas, é que não existe hoje um conhecimento realista dos stocks desta espécie, com base nos quais são tomadas as decisões das quotas de pesca. O navio Noruega tem estado parado por falta de meios humanos e o Mar Português ainda não começou a desenvolver este trabalho.

Apesar de os recursos marinhos serem uma competência exclusiva da União Europeia, e não dos Estados-membros, as quotas da sardinha estão delegadas nos dois países ibéricos, mas essa decisão pode a qualquer momento ser revogada por Bruxelas, explicou o eurodeputado João Ferreira. Por cautela, para que isso não aconteça, Portugal e Espanha têm decidido quotas restritivas com base no último relatório do ICES – Internacional Council for the Exploration of the Sea (Conselho Internacional para a Exploração do Mar), de Julho do ano passado, no qual se defendia que levaria no mínimo 15 anos a repor os stocks de sardinha na costa ibérica e no Golfo da Biscaia.

“O sector nacional da pesca não tem sido bem defendido na União Europeia. Infelizmente, os governos portugueses aceitaram que as decisões tomadas nas instituições europeias fossem sucessivamente desfavoráveis aos interesses do sector nacional, com o apoio dos eurodeputados portugueses que têm aprovado a política comum das pescas”, afirma João Ferreira. Com uma excepção: a aprovação, em Maio, de uma cláusula de salvaguarda contra a especulação, proposta pelos comunistas no Parlamento Europeu.

“Nós conseguimos, pela primeira vez, incluir no relatório do Parlamento Europeu a possibilidade de os Estados-membros, sempre que considerem que existem desequilíbrios ao longo da cadeia, poderem fixar margens máximas de intermediação, para garantir a elevação do preço na primeira venda e, ao mesmo tempo, a contenção do preço no consumidor final”, garante o eurodeputado.

Por outro lado, sublinha que foi também devido à intervenção do PCP que foi possível dar aos pescadores compensações financeiras para os períodos de defeso das espécies. “Conseguimos introduzir uma aleração ao regulamento do Fundo Europeu das Pescas e dos Assuntos Marítimos que permite que, desde 2014, haja apoios às paragens biológicas e por isso esta situação de paragem, completamente insustentável, durante praticamente meio ano da forta do cerco continuou, ainda assim, com esses apoios”, afirmou João Ferreira.

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