O suicídio “é um indicador de ausência de saúde mental”

O suicídio não escolhe género, idade ou estatuto social, alertam especialistas portugueses. O importante é estar atento à saúde mental, acrescentam, após se saber que a designer Kate Spade e o chef Anthony Bourdain se suicidaram.

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Nelson Garrido

Kate Spade era uma designer famosa. Anthony Bourdain um chef conhecido em todo o mundo. Os dois norte-americanos morreram esta semana, vítimas de suicídio. Nos EUA, a taxa de suicídio tem vindo a aumentar nas duas últimas décadas. O suicídio não escolhe género, idade ou estatuto social, alertam especialistas portugueses. O importante é estar atento à saúde mental, acrescentam.

Nova Iorque acordou na terça-feira com a notícia que a designer de moda e acessórios Kate Spade tinha perdido a vida aos 55 anos. A causa confirmada, dois dias depois, foi suicídio. O marido e sócio num negócio que valia milhões de euros declarou que a criadora estava deprimida e “lutava com os seus demónios” há alguns anos, mas que na noite anterior estava feliz. O pai, a viver noutro estado, contou que a filha pretendia ir visitá-lo. 

Anthony Bourdain era um chef que se tornou conhecido graças às suas viagens pelo mundo gravadas para a televisão em inúmeros programas que aliavam a gastronomia à cultura dos povos. O cozinheiro foi encontrado morto no seu quarto de hotel pelo chef francês Eric Ripert, nesta sexta-feira, em Estrasburgo, onde estava a gravar um programa. A causa, avançada pela CNN e confirmada pelo procurador francês que dirige a investigação, é também o suicídio.

Segundo o Centro de Controlo e Prevenção de Doenças (CDC, na sigla inglesa) dos EUA, a taxa de suicídio naquele país tem vindo a aumentar nos últimos anos. Os números mais recentes, conhecidos esta quinta-feira, apontam para quase 45 mil suicídios em 2016, mais do dobro do número de homicídios no país. O suicídio foi a segunda principal causa de morte entre os 15 e os 34 anos. E a média nacional é de 13,4 suicídios por 100 mil pessoas. O centro reconhece que o suicídio é um “problema crescente” no país, onde a taxa aumentou 25% nas últimas duas décadas.

Impacto nas pessoas fragilizadas

O suicídio é um problema de saúde mental e que, quando os casos são conhecidos, tem um efeito mimético, dizem todos os estudos, avança o psiquiatra Ricardo Gusmão. Podem os casos de Spade e Bourdain ter efeitos em Portugal? “São figuras públicas, mas não são de primeira água. Teria mais impacto se fosse alguém mais próximo [do público português]. Por exemplo quando o guarda-redes alemão Robert Enke se suicidou [aos 32 anos, em 2009], isso teve um impacto brutal na Alemanha, não só pelo aumento dos suicídios, mas também pela forma como as pessoas começaram a ver a saúde mental”, exemplifica o médico.

No caso de Spade a sua marca era pouco conhecida e não era vendida em Portugal, já Bourdain passou por Portugal, pelo menos, três vezes para gravar nos Açores, em Lisboa e no Porto. “Pode acontecer a alguém pensar: ‘conheci o Bourdain, estou a divorciar-me, o meu negócio não está a correr bem...’ Uma pessoa de referência morre e isso tem um impacto brutal nas pessoas mais fragilizadas”, continua Gusmão, acrescentando que “95% das pessoas que se suicidam têm uma doença psiquiátrica”.

“O suicídio é muito democrático e transversal”, declara Fernando Castro Couto, voluntário na Voz de Apoio. Não escolhe género, idade ou condição social, continua. A única diferença entre o suicídio de alguém famoso e de um desconhecido é, precisamente, que o do famoso tem mais visibilidade na comunicação social. Essa informação deve chegar às pessoas, mas de forma cuidada, alerta o voluntário. “A OMS recomenda que não se omita, mas que se noticie com cuidado, não mostrando imagens, nem dando uma razão única [para o acto]. O suicídio é multifactorial.” 

O suicídio “é um indicador de ausência de saúde mental”, refere Ricardo Gusmão. “As pessoas quando se suicidam é porque estão doentes”, reforça. E quais são os sintomas a que devemos estar atentos? “Se a pessoa estiver mais taciturna, muito preocupada, cansada, com falta de apetite, com transtornos de sono, se arrumar os seus negócios, como se estivesse a preparar a sua partida...”, enumera Fernando Castro Couto. No caso dos estudantes, na altura dos exames, exemplifica. “Tudo pode ser um sinal potencial”, aponta.

Mas, por exemplo, no caso de Spade, a família referiu que estava bem na noite anterior. Fernando Castro Couto explica: “Quando uma pessoa passa pela depressão fica tão em baixo que não tem força para tentar o suicídio, mas quando há uma melhoria (e à volta os outros ganham esperança), a pessoa já tem energia para tentar.”

Nem sempre a tentativa é bem sucedida. Nesses casos, Ricardo Gusmão conta que essas pessoas consideram “uma sorte ter sobrevivido, sentem mais gratidão do que arrependimento, a culpabilidade não é dominante”. “A morte não é reversível”, conclui.

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