O que aconteceu às "1500 crianças desaparecidas nos EUA"?
Explicações sobre a onda de informações falsas nas redes sociais sobre os números divulgados pelo Departamento de Saúde norte-americano.
Em finais de Abril, um responsável do Departamento de Saúde e Serviços Sociais dos EUA foi ao Senado prestar contas sobre o trabalho do Gabinete de Realojamento de Refugiados – o organismo que acompanha as crianças que chegam sozinhas à fronteira e que depois as deixa ao cuidado de famílias de acolhimento enquanto os processos são avaliados.
Nessa declaração, Steve Wagner disse que o gabinete não conseguiu entrar em contacto com 1475 crianças que chegaram sozinhas à fronteira.
Este pedaço de informação saltou para o topo das notícias, muitas vezes sem contextualização, e os trolls da Internet fizeram o resto: segundo milhares de posts e de tweets, quase 1500 crianças tinham desaparecido por desleixo da Administração Trump, e muitas delas teriam caído nas mãos de traficantes, que as vendiam para trabalho escravo em quintas espalhadas por todo o país.
No Twitter, o actor Jim Carrey partilhou a seguinte mensagem com os seus 18,5 milhões de seguidores: "1500 crianças arrancadas dos braços das suas mães na nossa fronteira. Perdidas no 'sistema' do Trump. Dêem-me os cansados, os pobres, as massas amontoadas que anseiam por respirar em liberdade – e nós vamos torturá-las por quererem uma vida melhor."
O que disse no Senado o responsável dos Serviços Sociais?
"Entre Outubro e Dezembro de 2017, o Gabinete de Realojamento de Refugiados tentou contactar 7635 crianças e os responsáveis por elas. Conseguimos falar com cerca de 86% (…) Constatou-se que 6075 crianças continuavam a cargo dos seus responsáveis, 28 tinham fugido, cinco tinham sido retiradas dos EUA e 52 estavam a viver com outras pessoas. O gabinete não conseguiu determinar o paradeiro de 1475 crianças."
Estas crianças foram separadas das suas famílias na fronteira?
Não. Estas 7635 crianças de que o responsável do Departamento de Saúde e Serviços Sociais falou chegaram à fronteira sem estarem acompanhadas por adultos.
Nestes casos, a política seguida nos EUA na última década, após um consenso bipartidário alcançado em 2008, tem sido a de colocar as crianças em famílias de acolhimento, que em 85% dos casos são também as suas famílias biológicas – à chegada à fronteira, as autoridades perguntam às crianças se conhecem alguém no país que possa cuidar delas; quando a resposta é positiva, muitas vezes trata-se de familiares que chegaram ao país meses ou anos antes.
A partir desse momento, as crianças deixam de estar ao cuidado do Governo americano e a sua segurança e bem-estar passa a ser responsabilidade das famílias.
As 1475 crianças em causa estão mesmo perdidas nos EUA?
Neste momento ninguém pode ter certezas sobre isso, mas é provável que estejam nos locais para onde foram enviadas.
Como muitas dessas crianças vão para junto das suas famílias biológicas, é provável que essas famílias queiram evitar contactos com as autoridades, com receio de que os seus pedidos de regularização sejam negados e que a família venha a ser separada.
Será este o caso de muitas das 1475 crianças que o Gabinete de Realojamento de Refugiados não conseguiu contactar. Podem não estar perdidas e sozinhas nos EUA, mas sim junto das suas famílias e incontactáveis.
Esta situação é habitual, ou apenas aconteceu na Administração Trump?
Desde que a política nos EUA é libertar as crianças que chegam sozinhas à fronteira e entregá-las às suas famílias, e até que seja aprovada uma lei que diga o contrário, é provável que as autoridades percam o rasto a algumas dessas crianças.
No último ano da Administração Obama, por exemplo, o Departamento de Serviços Sociais conseguiu determinar o paradeiro de 85% das crianças que chegaram sozinhas à fronteira. Segundo os números avançados no mês passado, as autoridades localizaram 86% das crianças nos últimos três meses de 2017.