Matadouro do Porto transformado só em 2021
Projecto deverá implicar um investimento de 40 milhões de euros. Há dois anos a perspectiva da câmara era gastar ali 10 milhões.
Se não houver mais surpresas (e em termos orçamentais elas têm aparecido), o antigo Matadouro Industrial do Porto, reformulado pelo projecto do arquitecto japonês Kengo Kuma com o gabinete português OODA, deverá estar pronto para se mostrar à cidade em meados de 2021. Foi esse o prazo apresentado pelo presidente da Câmara do Porto, Rui Moreira, na reunião do executivo desta terça-feira, em que várias questões relacionadas com o património estiveram em cima da mesa, e que começou com uma apresentação aos vereadores do que vai mudar nos edifícios abandonados de Campanhã.
O arquitecto Diogo Brito, do OODA, explicou ao executivo como o projecto escolhido para o Matadouro procurou, não só, “responder ao desafio” do programa de concurso, mas “ligar cidade”, enquanto pretende acabar com “uma falha” detectada pelos vencedores do concurso público lançado em Agosto do ano passado: “Não há na cidade um espaço público coberto que possa ser usado o ano todo”, disse. Com o projecto que deu a vitória à construtora Mota Engil esse espaço passará a estar instalado no Matadouro, garantiu.
Rui Moreira explicou que o contrato deverá ser outorgado ainda este mês, sendo enviado, por precaução, para o Tribunal de Contas (o autarca disse ter dúvidas que tal seja necessário, mas que irá fazê-lo na mesma). Com sete meses para a conclusão dos projectos, espera-se que esteja tudo pronto em Março e que a obra comece em Abril de 2019, prolongando-se pelos previstos dois anos. Tudo dentro do que fora anunciado já em 2016, excepto no investimento que então se julgava necessário: dos 10 milhões anunciados em 2016, passou-se para 15 milhões quando foi apresentado o concurso. Hoje, Rui Moreira diz que o investimento será de “40 milhões, dos quais 36 para a obra prevista”.
PS e CDU saudaram o projecto apresentado, com o socialista Manuel Pizarro a aproveitar para lembrar o trabalho desenvolvido pelo gabinete de arquitectura Garcia & Albuquerque, que esteve na base da proposta de reabilitação do antigo complexo industrial assumida pelo vereador Paulo Cunha e Silva, que morreria subitamente em 2015.
Jorge Garcia Pereira, daquele atelier, referiu-se ao processo num longo post colocado na sua página do Facebook, a 30 de Maio, no qual descreve como, em Julho de 2016, quando o gabinete estava “a trabalhar com grande intensidade no desenvolvimento do projecto”, foi chamado para uma reunião com o então adjunto do vereador do Urbanismo, e actual vereador desse pelouro, Paulo Baganha, na qual lhe foi comunicado que a estratégia para o edifício tinha mudado e que seria lançado um concurso público, para que “o investimento e a exploração fosse de âmbito privado”. No que diz ser “um pequeno desabafo”, o arquitecto defende que o atelier teria “merecido outro trato” e deixa claro que o projecto agora escolhido “está nos antípodas” do que fora imaginado, mas deseja que o futuro do Matadouro “corra bem”.
Sem qualquer referência a este “desabafo”, Rui Moreira aproveitou a deixa de Manuel Pizarro para também lembrar o trabalho desenvolvido pelo gabinete Garcia & Albuquerque – “esteve connosco no que nos parecia mais importante, a preparação do programa”, disse –, bem como de “muita outra gente” que colaborou no processo, como a própria Junta de Freguesia de Campanhã.
E foi para Campanhã, na envolvente do Matadouro que tanto Manuel Pizarro como Ilda Figueiredo, da CDU, pediram que a câmara olhasse, aproveitando o desenvolvimento do projecto-âncora anunciado. Pedro Baganha garantiu que isso mesmo está a ser feito, anunciando que para a zona em frente ao Matadouro está já pensada (mas não fechada), a criação “de um espaço público”.
Estado e habitação
A reunião ficou ainda marcada por novos alertas relacionados com as pressões e os despejos de que têm sido alvo vários moradores do centro histórico. Minutos antes do início do encontro, segundo a Lusa, cerca de 15 pessoas manifestaram-se nas traseiras da câmara contra estas situações e pelo menos duas das manifestantes intervieram, depois, na parte dedicada ao público, pedindo ajuda ao executivo para ultrapassar a situação de despejo em que se viram envolvidas, por os prédios onde moravam terem sido vendidos.
Ainda antes de as munícipes falarem, Ilda Figueiredo voltara ao tema que já abordara na reunião anterior. Desta vez, Rui Moreira concordou com a comunista, dizendo acompanhar o que se está a passar “com a maior preocupação”. Contudo, o autarca vincou que o problema não pode ser resolvido sem intervenção do Estado e este, disse, “abdicou” de o fazer “desde 2009”. “O problema da habitação não se resolve sem investimento público e não pode ser só o município a fazê-lo”, disse o autarca, realçando que, apesar das várias medidas anunciadas pelo Governo, “até agora não vi um tusto” investido na habitação.
Moreira referiu-se ainda à dificuldade em exercer o direito de preferência, nos casos em qua a câmara o pode fazer, dizendo que é preciso mudar a lei. Ilda Figueiredo aconselhou-o a redigir uma proposta nesse sentido, para ser aprovada pelo executivo e enviada ao Governo e à Assembleia da República. “Acho boa ideia”, concordou o autarca.
No rol dos problemas que afectam o centro histórico, Rui Moreira foi ainda confrontado com o relatório do Icomos, muito crítico da intervenção aí desenvolvida. Manuel Pizarro quis saber como é que a câmara tinha avaliado o relatório e se este justificaria “um debate aprofundado sobre o Património Mundial”. Rui Moreira não se mostrou interessado, dizendo que não consegue “dar excessiva importância ao Icomos”, a quem apelidou de ter “uma visão arqueológica da cidade”.