Dezenas de opositores de Maduro saem da cadeia mas denunciam "distorção da verdade"
Governo diz que o Presidente lançou um processo de diálogo e de reconciliação nacional "impulsionado de forma desinteressada".
Ninguém se entende na Venezuela sobre o que levou Nicolás Maduro a possibilitar a saída da cadeia de 79 pessoas entre sexta-feira e sábado, mas essas dúvidas não impediram o deputado Renzo Prieto de sorrir de orelha a orelha: "Estou alegre, contente e feliz", disse o líder da Juventude Activa Venezuela Unida, da oposição, enquanto se afastava da prisão em que viveu nos últimos quatro anos.
Prieto, de 31 anos, foi um dos presos que saíram da cadeia por ordem do Supremo Tribunal venezuelano, mas nem todos os que regressaram a casa estavam detidos por motivos políticos, diz a oposição.
Segundo a organização não-governamental Foro Penal, apenas 20 dos 40 que saíram da prisão no sábado são considerados presos políticos. O Governo venezuelano, que rejeita a existência de presos políticos no país, diz que todos estavam detidos "por violência política".
Para além das lutas por causa da situação política e social na Venezuela, o Governo e a oposição travam também uma guerra de palavras: "Quando os media falam de forma ligeira na concessão de 'benefícios' e de presos 'por violência política', ou dos 'chamados presos políticos' que são ou serão 'libertados', estão a assimilar a narrativa oficial e a distorcer a verdade. As palavras pesam", escreveu no Twitter o director da organização Foro Penal, Gonzalo Himiob.
No centro desta guerra de palavras está a forma como muitos dos presos que saíram da cadeia nos últimos dias foram detidos, alguns deles há quatro anos e sem nunca terem sido julgados.
Renzo Prieto, por exemplo, foi preso durante os protestos de 2014 e, mesmo estando na cadeia, foi eleito deputado nas eleições legislativas de 2015 – um cargo que nunca ocupou porque não foi libertado e porque o Supremo Tribunal venezuelano viria a retirar os poderes legislativos à Assembleia Nacional depois de a oposição ter conquistado a maioria nas eleições de 2015.
Segundo a organização Foro Penal, até quinta-feira da semana passada estavam nas cadeias venezuelanas 357 presos políticos, e apenas 23 foram julgados e condenados. Da lista fazem parte 50 mulheres e 12 menores.
Em Agosto do ano passado, a Comissão de Direitos Humanos da ONU disse que a Venezuela tem sido palco de um "generalizado e sistemático uso de força excessiva e de detenções arbitrárias", com casos de "tortura e maus-tratos sobre pessoas detidas por causa das manifestações".
Do lado do Governo, a saída da cadeia de 79 presos nos últimos dias é um "benefício processual", que é também a prova de que está em marcha "um processo de diálogo e de reconciliação nacional" lançado após a reeleição do Presidente Nicolás Maduro, no dia 20 de Maio. Um processo "impulsionado de forma desinteressada pelo Governo", disse o ministro da Comunicação da Venezuela, Jorge Rodríguez.
Também o procurador-geral, Tarek Saab, salientou "a intenção de reconciliação por parte do Governo", elogiando "o acto histórico, importante e revelador" do diálogo com quatro governadores da oposição que mediaram o processo.
E a presidente da Assembleia Constituinte (o órgão que foi criado para substituir a Assembleia Nacional, e onde os fiéis ao Governo estão em larga maioria) disse que o gesto iniciado por Nicolás Maduro "convida os beneficiários a resolver as diferenças por vias pacíficas e democráticas". Delcy Rodríguez salientou ainda "o ambiente de felicidade e de tranquilidade que reina na Venezuela".
Entre os presos que saíram da cadeia entre sexta-feira e sábado estão também Daniel Ceballos, ex-presidente da câmara de San Cristóbal, acusado de ser um dos responsáveis pela violência que resultou dos protestos de 2014; e o general Ángel Vivas, acusado de instigar um golpe militar contra o Governo. Apesar de terem saído da cadeia, Prieto, Ceballos, Vivas e muitos outros estão obrigados a comparecer perante um tribunal de 30 em 30 dias, foram proibidos de sair do país e não podem fazer comentários aos jornalistas e nas redes sociais.
O líder da oposição mais reconhecido internacionalmente, Leopoldo López, continua a cumprir uma sentença de 13 anos e nove meses de cadeia por responsabilidade nas manifestações de 2014 e está em prisão domiciliária desde Agosto. Não há nenhuma informação sobre a possibilidade de vir a ser libertado, mas o Governo venezuelano disse que nos próximos dias serão libertados mais presos.