Quem é contra a eutanásia diz que Portugal "pode cuidar, não precisa de matar"

A falta de legitimidade do Parlamento para discutir a eutanásia foi um dos argumentos fortes usado por muitos dos manifestantes.

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A missão era mostrar aos deputados que há portugueses que se oferecem para cuidar de quem sofre, rejeitando que o Estado possa consentir com a morte de alguém a quem não consegue minimizar o sofrimento. O mote fora lançado no púlpito improvisado montado pela Federação Portuguesa pela Vida, organizadora da manifestação desta terça-feira contra a legalização da eutanásia, no fim da escadaria da Assembleia da República. Mas Maria da Piedade Ramos já vinha com esta ideia de casa. Médica aposentada, de 64 anos, viu a filha “viver em sofrimento” e aceitá-lo. “Até que morreu em paz. Porque tinha amor, cuidados, porque nunca desistimos dela."

É isso que quer que aconteça com todos aqueles que peçam o fim antecipado da sua vida. “Podemos cuidar, não precisamos de matar”, acredita.

Maria fala por si e por Silvério Ramos, que a acompanha, de cadeira desmontável na mão, pronto para ficar em frente ao Parlamento até ao fim da votação desta terça-feira. “O povo precisa de quem o defenda, não de quem o mate, o Estado não tem o direito de decidir sobre isto”, diz o homem de 64 anos. A falta de legitimidade do Parlamento para discutir o assunto é um dos argumentos fortes usado por muitos dos manifestantes.

Quando se pergunta o motivo pelo qual veio de Loures até Lisboa, Noel Asseiceiro responde o mesmo que Maria: “Sou pela vida." O homem de 41 anos, que trouxe quatro dos cinco filhos para a manifestação, leva na mão uma bandeira portuguesa na qual se lê: "A vida sempre até ao fim."

“A liberdade tem limites”

Diz que “a liberdade tem limites” e que a linha vermelha até está bem traçada na constituição, que definiu a vida humana como “inviolável”. E não há religião ou ideologia que o possa pôr em causa. O que há a fazer é reforçar as estruturas de apoio a quem sofre, defende. “O fim da vida deve ser acompanhado por estruturas que permitam às pessoas ver que devem defender a vida apesar do sofrimento.”

Apoiar, ajudar, cuidar são as palavras mais repetidas neste início de tarde. Fala-se em esperança, apela-se aos deputados indecisos, que no Parlamento debatem o assunto, que votem “não”. E grita-se, ao ritmo das batidas dos bombos e caixas: “Vida sim, eutanásia não"; "Viva a vida, morte não".

Os cartazes deixam claros os seus argumentos: "Toda a vida tem dignidade", "Matar não é solução", "Em democracia não se mata". Um deles é especialmente significativo para o médico Luís Marques da Costa, que o lê: “Ser médico é cuidar, tratar e amar."

Reforço dos cuidados

O clínico do Hospital de Santa Maria, em Lisboa, diz que o direito de morrer já “está inscrito na nossa natureza”, sendo preciso, em contraponto, salvaguardar “o direito de ajudar todas as pessoas”, independentemente das suas possibilidades económicas. De outra forma, acredita, as pessoas com dificuldades de “acesso aos cuidados de saúde – e os mais pobres estarão na primeira fila – sentir-se-ão quase no dever de pedir para morrer".

Mariana Barata Lopes, enfermeira de cuidados paliativos, centra a questão na necessidade de reforçar esta resposta. “A morte, tal como a vida, deve ser vivida com dignidade até ao último momento. Para isso não serve a eutanásia, servem cuidados diferenciados e dirigidos”, afirma.

Acreditando que “não se deve discutir a eutanásia num país onde ainda não há resposta no Serviço Nacional de Saúde” para todos, Mariana lança o mote para Vasco Birra, que fala “na qualidade de doente oncológico”, confirmar que ainda vê “muita gente com falta de apoio”. E apela: “Deixem quem está nos hospitais viver até ao fim da vida."

Responder com “esperança, não com morte”

Pedro Vaz Pato, presidente da Comissão Nacional de Justiça e Paz, considera que “o Estado que está a praticar a eutanásia está a dizer que a vida perde dignidade e que há situações em que a vida deixa de ser protegida”. O juiz acredita que a vida nunca perde dignidade nem se torna “menos merecedora de protecção” em caso de doença e pelo sofrimento. “Pelo contrário”, ressalva, “a resposta que lhe devemos dar é a esperança, não a morte”.

Uma das intervenções mais aplaudidas é a do antigo deputado do CDS José Ribeiro e Castro. Dizendo-se “triste e magoado” por viver o dia em que se quer “violar o direito inviolável à vida”, o advogado tece fortes críticas a António Costa e Rui Rio pelas suas posições favoráveis à despenalização da eutanásia e considerou que o debate desta tarde está “carregado de ilegitimidade”.

E recua no tempo até à Assembleia Constituinte de 1976 que, por unanimidade, aprovou o que é hoje o artigo 24.º da Constituição Portuguesa para instar os deputados socialistas a respeitarem a decisão dos seus antecessores de definirem a vida como inviolável. Ribeiro e Castro rejeitou ainda (e houve aplausos) que haja mortes indignas. “Esta ideia de que os eutanasiados e os que se suicidam é que têm uma morte digna é uma ameaça sobre toda a gente. O Estado não pode ditar quais são as mortes dignas e quais são indignas”, afirmou.

Antes de subirem para o Parlamento, também os deputados João Gonçalves Pereira (CDS)  e Sandra Pereira (PSD) manifestaram a sua oposição aos projectos de lei em discussão minutos mais tarde. E coube a João Maria Seabra Duque terminar aquela que, antecipa, não será a ultima manifestação do movimento “Toda a vida tem dignidade”, de que é porta-voz. “Voltaremos aqui as vezes que forem necessárias para dizer que Portugal é um povo que ama a vida." E os manifestantes responderam-lhe com a frase que abrira o protesto: “Viva a vida."

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