Este ano sofremos em resultado dos incêndios como nunca tínhamos sofrido. Primeiro Pedrógão Grande, a dimensão da catástrofe, as falhas graves de organização, a numerosa perda de vidas e a culpa de ninguém. Depois, os distritos de Viseu e Coimbra, os mesmos problemas, outras tantas vidas ceifadas, os mesmos culpados, culpa de ninguém. Um fenómeno que aterrorizou o país e foi notícia em todo o mundo. Que nos fez sentir impotentes, incrédulos e magoados. Que nos deu dias escuros de cinza e tristeza e, ao mesmo tempo, a força para demonstrar que somos um povo unido e solidário, que dá o que tem e que ajuda como pode.
Desta vez, além de sofrer pelos lamentáveis acontecimentos, sofri também por se tratar de uma realidade pessoalmente mais próxima. As terras do Norte, do meu Interior. De onde sou natural, onde tenho família, colegas, amigos e conhecidos. Vi a desorganização colocar em risco pessoas de quem gosto e vi-a a levar vidas semelhantes à minha. E pensar que naquele momento e naquele sítio podia estar eu, ou alguém próximo, arrepia. Arrepia ver o tamanho sofrimento a que algumas pessoas foram sujeitas. De miúdos a velhinhos. De netos a avós. Arrepia ver idosos de rosto cansado, depois de vidas árduas de trabalho, perderem tudo. Arrepia ver quem neste momento merecia descanso e paz ter dor e desalento. Assusta ver o desespero de alguém sem ajuda, sem comunicações, sem água e sem saber verdadeiramente o que a realidade lhe reserva para depois. Assusta o desespero de quem procura familiares, de quem reza pela sua casa e pelos seus bens, de quem procura animais que, provavelmente, nem com o instinto natural se salvaram. Assusta-me profundamente só o acto de imaginar o sentimento de que desespera por tudo isso ao mesmo tempo.
Mas depois de quatro meses passados sobre os acontecimentos em Pedrógão e depois do inferno destes últimos dias de Outubro, depois de imagens e histórias fortíssimas, algo nobre me comoveu. Refiro-me, em concreto, a dois pedidos de desculpa. Por um lado, o dos bombeiros, por outro o do nosso Presidente da República. Os bombeiros, a quem tanto devemos, a pedirem desculpa por não acudirem a tudo e a todos, quando dia após dia davam o máximo com tão pouco. Por outro lado, o Presidente da República, que de forma tão fraterna se dirigiu a todos nós com um sincero e humilde pedido de desculpas, demonstrando-se mais uma vez um homem do povo, entre nós nas alturas mais difíceis. São actos de humildade como estes que me comovem. Actos sinceros de quem abraça e também chora. Valorizo um abraço, este gesto tão português. E nestas alturas, um abraço é um misto de sentimentos, que se expressa por si mesmo, que aconchega e faz chorar. Um simbolismo directo de proximidade e de força. São abraços de quem não é vencido pela inércia. São abraços de desculpa, que desculpam quem de tão pouco tem culpa.