Navios russos nas águas portuguesas e expansão da plataforma continental
Os desafios de Portugal prendem-se não só com a gestão do seu espaço económico mas também com a capacidade de controlo de situações em que a escalada das hostilidades será sempre possível.
A presença de navios russos nas águas portuguesas tem gerado grande preocupação em vários sectores da vida política portuguesa.
Estas ocorrências, registadas com maior frequência nos últimos meses, refletem não apenas a crescente tensão geopolítica entre o Ocidente e a Federação Russa, principalmente depois da invasão russa da Ucrânia, mas denotam também os inúmeros e importantes desafios para os interesses da política externa portuguesa, incluindo o desejo do país de expandir sua Zona Económica Exclusiva (ZEE). Mesmo sem esta expansão, Portugal já é um actor muito importante ao nível da União Europeia e mesmo a nível mundial no que toca à gestão dos oceanos. A presente ZEE abrange cerca de 1.728.408 km quadrados (é mais do que a área do Irão ou, por exemplo, da Mongólia).
As movimentações de navios russos nas águas de jurisdição ou de proximidade de Portugal não são um evento isolado. Fazem parte de uma estratégia mais ampla da Federação Russa para demonstrar a sua capacidade de infiltração e de realizar possíveis ataques subversivos para prejudicar comunicações ou outros objectivos de forma dissimulada, ao mesmo tempo que tenta afirmar a sua presença em áreas estratégicas de interesse global.
Tudo indica que Portugal, devido à sua localização geográfica no Atlântico Norte, próxima de importantes rotas marítimas transatlânticas, se possa ter tornado num maior ponto de interesse para Moscovo.
As incursões tendem a envolver navios de guerra, submarinos ou navios de investigação científica que aparentam, por vezes, ter objetivos pouco claros (cerca de nove navios foram avistados num período de duas semanas de Novembro). A NATO, da qual Portugal é membro ativo (e um dos seus membros-fundadores), tem monitorizado estas movimentações de perto, cooperando com os seus aliados para garantir que a soberania e segurança marítima são preservadas.
Estas actividades representam um desafio adicional à defesa e controlo das águas territoriais portuguesas e da sua ZEE (quer mantenha a extensão actual quer venha a ser aumentada pela extensão da plataforma continental).
Todos estes esforços terão de ser redobrados, caso se comprove que estas incursões visam prejudicar a estabilidade política e a defesa, de Portugal, da União Europeia e da NATO.
Se um dos objetivos do projeto de extensão da plataforma continental é, além da promoção da investigação científica, a soberania e gestão coordenada destas águas, então este esforço português tem aqui talvez o seu maior desafio. Coordenar estudos científicos, assegurar o uso sustentável de ecossistemas, explorar recursos naturais conformar-se-ão ao propósito máximo da defesa da soberania nacional.
Os desafios de Portugal prendem-se não só com a capacidade de gerir o seu espaço económico mas também com a capacidade de controlo de situações em que a escalada das hostilidades será sempre possível. Terá assim de provar, não só aos seus parceiros mas a todo o mundo, que tem esta capacidade de supervisão. O questionar da soberania portuguesa sobre os seus mares por parte de potências adversárias da NATO vai ser uma questão ainda mais central da política externa portuguesa nos próximos anos e só com uma boa coordenação de esforços o país conseguirá provar a sua capacidade de comando e para assumir a responsabilidade acrescida que tal implica.
A incerteza que uma presidência Trump significa faz com que a política externa portuguesa (e igualmente a política externa da União Europeia) possa estar, cada vez mais, perante a necessidade de uma mudança radical, não só ao nível teórico mas mesmo ao nível prático e operacional. Quer os governos quer a Presidência da República terão de estar à altura da exigência dessa mudança.
O autor escreve segundo o novo acordo ortográfico