Senhor Presidente da República, creio que já devia conhecer-nos o suficiente para saber que o povo português não estava preparado para isto. Andámos dez anos a levar com uma múmia e agora, de repente, temos um chefe de Estado que tem o dom da ubiquidade? Além do mais, vivíamos muito bem com o Professor Marcelo a mostrar livros ao domingo à noite. E agora temos um líder omnipresente que raramente põe o pé na argola? O que vem a ser isto?

Os livros de Comunicação e Ciência Política dizem-nos que os políticos recém-eleitos têm sempre um período de enamoramento, em que as pessoas são histéricas e doidas pelo seu trabalho, mas ao fim de dois ou três meses já andamos todos a cuspir fogo. E depois vem um tal de Marcelo Rebelo de Sousa que nos faz rasgar os cânones. Não se admite, senhor Presidente. Além do mais, chateia-me pessoalmente porque eu, sendo um tipo mais inclinado à esquerda, gostava de o achincalhar um bocadinho de vez em quando. Mas assim não dá, senhor Presidente.

De qualquer maneira, tenho uma teoria: assim como os ditadores têm sósias para escapar a assassinatos políticos, Marcelo tem sósias para se escapar às más-línguas. Só pode. De que outra maneira se poderia explicar que Marcelo esteja em todo o lado ao mesmo tempo? Marcelo no Vaticano com Papa Francisco, Marcelo no Jamor a dar uma taça ao seu Sporting Clube de Braga, Marcelo na Feira do Livro a roubar ideias para praticar no Palácio de Belém, Marcelo com Costa, Marcelo a ter uma figura de cera num museu em Madrid, Marcelo na Nova Zelândia a fazer festinhas a um koala, Marcelo aperta com Costa, Marcelo toma pequeno-almoço com Richard Branson para ser o primeiro português a pisar Júpiter, Marcelo dá beijinho na testa a Costa, Marcelo aqui, Marcelo ali.

Além do mais, pense nos nossos humoristas, que não têm tido material nenhum para brincar com a sua prestação. Senhor Presidente, saberá melhor que todos nós que Portugal está habituado a maus políticos. Agora não venha fazer-nos uma desfeita destas. É que não se admite. Nem uma conta na Suíça, nem umas falcatruas despachadas para debaixo do tapete, nem sequer uma mísera suspeitazinha. Nada. Senhor Presidente, das duas uma: ou o professor Marcelo está, de facto, a ser um chefe de Estado do camandro ou então é a imprensa que anda a namoriscá-lo e a não saber ser rigorosa e apertar-lhe os joanetes. Mas não acredito que seja esta última, a nossa imprensa é tão aplicada e é tão carregada de critério que nada lhe escapa por entre as unhas.

De qualquer maneira, senhor Presidente, não nos provoque uma overdose de MRS. E dê um tropeção qualquer, nem que seja de propósito, que isto assim é um marasmo. Obrigadinho.