Quanto aufere um adepto?

Os breves minutos que gastei a ver posts de Facebook no dia em que o Benfica venceu o campeonato (e em que o Sporting o perdeu) permitiram-me destrinçar quatro tipos de adepto

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Naphtali Marshall/Unsplash

A internet só se parte ao meio nas seguintes circunstâncias: (1) quando morre uma celebridade qualquer da qual ninguém ouviu falar mas que, mesmo assim, se exige que se partilhe o link de uma canção que não se ouviu ou uma frase de um livro que não se leu, (2) um não-assunto que faz brotar das pedras da calçada moralistas-justiceiros sociais, como o sorriso ausente da Inês Castel-Branco naquela gala da qual já ninguém quer saber, ou (3) quando há lampionagem, lagartagem, tripeiragem ou outra cambada qualquer desprovida de mioleira pronta para festejar/lamentar a vitória/perda de um título qualquer.

Confesso que a afeição fervorosa por um pedaço de pano me deixa sempre perplexo. Faz tanto sentido torcer à doida (não confundir com simpatia clubística, também tenho a minha) pelo Sporting, pelo Benfica ou pelo Fornos de Algodres como ter um fervor irracional pela apanha do figo em dias nublados ou pelo movimento regional de apitadores de pífaro da Cantábria. E, acreditem, eu até gosto de futebol, mas sou aquele adepto-entre-apitos: o inicial e o final. Antes e depois, a vida está na mesma. Porque, na verdade, defender ou atacar um clube é tão irrelevante como o tarot das manhãs da SIC: há um grupo de gente que vai naquela cantiga mas, no final, quem ganha à conta da parolice é a pessoa que mexe nas cartas. E haverá quem diga que o amor por um clube não se explica, sente-se. Epá, pois, está bem, também se sente muito um desarranjo intestinal e não temos lá grande vontade de ir celebrá-lo para o Marquês.

Os breves minutos que gastei a ver posts de Facebook no dia em que o Benfica venceu o campeonato (e em que o Sporting o perdeu) permitiram-me destrinçar quatro tipos de adepto.

O tosco do mau-perder

Este espécime é o tipo que devia ser diagnosticado com Tourette na ponta dos dedos. Cada frase de cinco palavras tem para aí sete de palavrões – não, não me enganei na conta. Além disso, é um indivíduo que chama a si o falhanço alheio e diz, por outros termos, “aquele colectivo de pessoas não cumpriu um objectivo, mas ó p’ra mim a dizer que também tive culpa no cartório, ainda que não saiba sequer dar um pontapé numa bola nem o que é um fora-de-jogo”.

O tosco do mau-ganhar

Este tipo de tosco bem poderia fazer parelha com o tosco anterior: é o parolo que faz mais barulho pela derrota dos outros do que pela vitória que defende tão acerrimamente. É mais ou menos como chamar nomes à Humanidade porque só o Neil Armstrong é que foi o primeiro a pisar a Lua.

O tosco do bom-perder

Este tipo de tosco tolera-se muito melhor, na medida em que é um bocadinho mais pacífico, mas mesmo assim não deixa de ser um tonto: quem é que quereria partilhar uma comunidade clubística com os toscos que não sabem perder? Além do mais, o princípio é o mesmo: o clube não é vosso, portanto não têm de dar parabéns a ninguém.

O tosco do bom-ganhar

Este é o tipo de tosco que agarra nos cachecóis e nas bandeiras e vai agarrar-se a estranhos, numa quase pré-cópula, gritando frases tolas como "o meu Benfica enche-me o coração" ou outras cenas do género. Pela clubite, tudo. Mas, na hora de encher praças a reivindicar direitos ou a lutar por ideais que, na verdade, lhe poderão mudar a vida, prefere ficar sentado no sofá a ver futebol.

Posto isto, é preciso levantar a questão: quanto recebe um adepto por festejo ou por post no Facebook? É que só assim se consegue justificar a carrada de brutalidades e barbaridades, alarvidades e lugares-comuns que se ouvem neste mar barulhento em dias de festejo ou de azia. O que vale é que cada um está por conta e risco das figuras tontas que pretende fazer. O que nos vale, a nós que pouco ligamos a estas ebulições de clubite, é que há sempre a alternativa de desligar o computador e ver um filme do Bergman.

Estou a gozar. Não vejo filmes do Bergman. Mas, nestes dias que passaram, a catadupa era de tal ordem que cheguei a ter vontade de me agarrar ao cinema sueco.

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