É o fim do dia ao pé da praia. O mar, revolto e picado durante o dia, tumultuoso, enrolado sobre si mesmo, furioso porque incapaz de dizer quanto lhe corre na alma, sem voz, sem corpo ou boca por onde terminar e começar, parece também compreender chegar ao fim de mais um dia de labor e, espraiando-se de encontro aos grãos de areia ao invés das rochas, procura descansar em largas toalhas de água ao comprido da praia, à volta dos pés de quem por lá passa de mão dada num morno fim de tarde num sábado perdido em Março.
Se a isto juntarmos um daqueles pores-do-sol responsável por cobrir o céu em tons de azul polvilhado de amarelos e vermelhos, aqui e ali interrompidos pelo leve algodão-doce das nuvens, então compreendemos não ser possível estar noutro sítio que não seja Portugal, ao pé de casa, até porque a minha casa é mesmo ali ao lado e pores-do-sol destes vi eu de ginjeira. Minto, quem está na praia, está em Portugal, porque eu estou do lado de cá da beachcam.pt (câmara online ligada ao circuito de praias de norte a sul do país), a mais coisa menos coisa de dois mil quilómetros de distância, e o meu lá fora são dois graus negativos e acho que há meia hora começou a chover.
À beira-mar as pessoas param para tirar fotografias ao sol que se põe: vejo "selfies", namorados abraçados ou apenas transeuntes em meditação diante dos últimos raios de sol em mais um “aquamatrix“, assim anunciando o fim deste que foi outro dia nas suas vidas enquanto o domingo já espreita logo ali ao virar da esquina de dois pares de horas.
Mas entretanto vermelhos, e entretanto amarelos, vejo rostos em luz e abraços de esperança, eternizados na net daqui daqui por dois segundos (o tempo de deslizar o dedo no écran) que é para fazer inveja à malta toda agora em casa a cuidar dos filhos ou diante do écran a trabalhar. Desligo a "beachcam", já vi o suficiente.
Retenho a imagem na memória e percorro-a com os olhos, congelada, vejo os namorados, dois, tão juntos que parecem um, mas são dois, aqui e ali pessoas dispersas, as cores do sol, o grande azul contra as nuvens de algodão, e escrevo como se estivesse de volta a casa, como se estivesse calor, como se estivesse na praia, ao pé das ondas e do vento.
E, no entanto, apesar da distância, apesar da saudade, apesar da falta de sal e da ausência de iodo, apesar de estar surdo ao som das ondas (a “beachcam“ ainda não tem som), aqui também temos sol e a semana passada tivemos neve, ficámos em casa a brincar e ninguém foi trabalhar e ora toma lá, porque não só nem tudo é frio como o frio não tem de ser sempre mau, e no Verão até estaremos aí, lado a lado de mãos dadas ao pé do mar.