Para que serve o voluntariado, afinal? De acordo com o artigo 2º da Lei 71/98, “o voluntariado é o conjunto de ações de interesse social e comunitário realizadas de forma desinteressada por pessoas, no âmbito de projetos, programas e outras formas de intervenção ao serviço dos indivíduos, das famílias e da comunidade desenvolvidos sem fins lucrativos por entidades públicas ou privadas”. Ações realizadas de forma desinteressada e desenvolvidas sem fins lucrativos? Por que anda, então, meio mundo a valer-se do voluntariado como forma de obter trabalho realizado sem custos?
Diz a mesma Lei nº71/98 que o voluntariado não pode servir para “substituir os recursos humanos considerados necessários à prossecução das atividades das organizações promotoras”. E acrescenta a Agenda Política Europeia para o Voluntariado que este, o voluntariado, deve ser “uma jornada de solidariedade e uma forma de fazer face às necessidades e preocupações humanas, sociais ou ambientais”. Sendo Lisboa a Capital Europeia do Voluntariado durante o ano de 2015, a Câmara de Lisboa deveria certificar-se que eventos organizados com fim a obter lucros não deveriam valer-se de mão-de-obra não remunerada para fazer face às necessidades levantadas pela organização.
Já não bastava o Rock in Rio orgulhar-se de ter centenas (400!) de voluntários, a quem é dada formação específica, e que a troco de um concerto prestam serviços necessários à prossecução das atividades das organizações promotoras, o Teatro Nacional D. Maria II (TNDM) e o Teatro Nacional São João (TNSJ), com os seus programas de voluntariado para o exercício de funções essenciais ao seu funcionamento; agora vem a Feira do Livro — pela terceira vez consecutiva — alimentar esta ideia de que o voluntariado é fixe e fica bem no currículo. “Venham lá dar o corpo ao manifesto: fica bem no currículo e pode dar-vos muitas oportunidades de emprego!”, querem eles e elas fazer-nos acreditar. A Associação Portuguesa de Editores e Livreiros (APEL), tem afirmado nas últimas edições que o voluntariado tem dado bons resultados e que muitos foram os voluntários que conseguiram uma oportunidade de trabalho junto das entidades participantes. Quer dizer que o voluntariado serviu de período experimental, é isso?
Se estes eventos e organizações só são possíveis à custa do voluntariado, não será esta uma forma perversa de usar o voluntariado para benefício próprio? Se é trabalho, porque não o tratar como tal? Se os voluntários ficam encarregues de funções equiparadas a trabalhadores necessários para o mesmo efeito, só significa que as entidades promotoras estão a abusar. E que não se evoque a experiência para o currículo! O trabalho pago também fica bem no currículo. Há que distinguir o voluntariado do trabalho não remunerado.
Se o vereador dos Direitos Sociais afirma que ser Capital Europeia do Voluntariado não “é uma honra, mas também uma responsabilidade”, porque não honra a Câmara esta responsabilidade?