O que era suposto ser uma instrumento colectivo para amparar os cidadãos em momentos de necessidade tem-se revelado nada mais do que um modelo de contribuições "kafkiano", que suga os direitos efectivos dos trabalhadores rumo ao abismo da precariedade. Em especial, no que toca aos trabalhadores a recibos verdes (a maior parte dos quais falsos!), o actual regime parece não ter remédio, já que ao invés de ser uma garantia de proteção social representa antes um pesado fardo na vida dos trabalhadores independentes.
O actual modelo de contribuições dos trabalhadores independentes é claramente desigual e desproporcional, ainda para mais quando comparado com o modelo aplicado aos trabalhadores por conta de outrem. As contribuições são altas, sim, mas diz o Governo que muitos têm sido os desenvolvimentos na aplicação das regras.
Ora bem, parece que costumava ser muito pior. Um trabalhador independente pagava num ano a contribuição relativa aos rendimentos do ano anterior; e, muitas vezes, esse ajustamento era feito no final de dois anos de trabalho. Um desfasamento entre a declaração de rendimentos e o acerto das contas ao Estado que colocava os trabalhadores em modo “suspense”, esperando desprevenido pela informação do valor de contribuição que viria a ser cobrado.
O trabalhador ficava sujeito ao pagamento de uma contribuição relativa aos dois anos anteriores, sendo que num ano as coisas até podiam correr muito bem, mas se, no outro ano assim não o era, o trabalhador ficaria sujeito ao ajustamento do pagamento da contribuição do ano em que os rendimentos foram superiores, num ano em que talvez não tivesse valor disponível para o pagamento dessa mesma contribuição. Num ano, tudo muito bem; no outro, nem por isso. Confuso? Pois.
O regime actual
Mas e como é, então, o actual regime? Igual. Ou pior, já que um dos “progressos” passa por possibilitar ao trabalhador escolher, com base nos rendimentos do ano anterior, entre dois escalões acima ou dois escalões abaixo, conforme consiga prever quanto é que vai receber no ano seguinte. Portanto, o trabalhador tem de fazer um exercício de futurologia e prever (adivinhar) quanto ganhará no próximo ano (2015) para, com isto, determinar o valor da sua contribuição em 2016. Nos países desenvolvidos, os trabalhadores são notificados em tempo oportuno; em Portugal, como o desconhecimento da lei apenas aproveita ao Estado, o direito à informação parece não ter assim tanto valor e os trabalhadores são confrontados – em cima do prazo - com escalões inesperados.
Devido ao péssimo desempenho do Governo na aplicação do que dizem ser uma regra “inovadora”, o prazo dado aos trabalhadores a recibos verdes para pagarem as suas contribuições e pedir a respectiva alteração de escalão foi alterado - por força da incompetência do ministro Mota Soares! – para dia 15 de Janeiro. E diz o próprio Instituto da Segurança Social que os pedidos serão tratados de forma automática. Mas serão mesmo? Será a aplicação da mudança de escalões exequível? E o reposicionamento dos contribuintes face ao seu rendimento será feito em tempo útil?
O sistema da segurança Social é complexo, de difícil compreensão e nem sempre os próprios funcionários dos seus serviços estão devidamente preparados para informar (pode ter que ver com o facto de tantos terem sido substituídos e agora tantos serem os desempregados obrigados a trabalhar de graça através de contratos de emprego-inserção).
A alternativa a este cenário caótico passa por conseguir assegurar um sistema de contribuições mais simples, porque o problema não é das pessoas, mas da complexidade do sistema da Segurança Social; o sistema tem de ser transparente, porque a informação deve fluir de forma clara e coerente; tem de ser oportuno, porque os trabalhadores devem saber quando e quanto pagar em tempo útil. E, por fim, deve o Estado assegurar um sistema justo e proporcional, porque o valor da contribuição tem de corresponder à obtenção real dos rendimentos, sem ser baseado em previsões futuristas aleatórias. Descontar sobre o que se recebe e não sobre projecções de ganhos futuros. Aí talvez se comece a dissipar o inferno em que o ministro Pedro Mota Soares tão à-vontade pontifica.