O melhor do estágio está do lado de fora da porta do atelier
O eborense Luís Ferro foi um dos distinguidos na segunda edição do Prémio Estágios, promovido pela OASRS. O júri apreciou a "viagem conceptual do seu percurso, abrindo o estágio a outras geografias e cronologias". Aqui fica um excerto da proposta
"O estágio profissional corresponde ao momento em que recolhemos as asas abertas durante a formação académica e começamos a calcar a terra, inicialmente com passos hesitantes — reflexo do reconhecimento inicial das lógicas profissionais —, depois mais decididos e resolutos. Que não hajam ilusões, é sempre um período de perda de inocência (ao jeito de André Téchiné em "J'Embrasse Pas") em que são questionadas as mais profundas convicções de cada indivíduo. Não é uma transferência de conhecimento simples uma vez que tem implícita a passagem de um método de trabalho ("know-how") que estruturará o modo e a verticalidade com que o estagiário operará a disciplina.
Esta formação profissional provoca uma relação de admiração muito referenciada na figura do arquitecto-mestre, ligação esta que, não raras vezes, se revelou ser um presente envenenado ao criar uma dependência que pode esmagar e ofuscar a criatividade e individualidade do estagiário-aprendiz. Não será despiciendo referir que existem inúmeros casos em que os desenhos executados no atelier empregador ficaram vividamente gravados no estirador do aprendiz, moldando em alto relevo todas as folhas que aí são produzidas. Eu fiz o seguinte: coloquei mais folhas sobre as primeiras; sobrepus uma camada tal de papel que a imagem primitiva foi sendo desfocada até se diluir e perder numa sombra cinza-creme. Aí reencontrei-me; trouxe para cima do meu estirador os vãos metálicos de Sigurd Lewerentz, a luz dourada-rosa que acetina os edifícios de Dom Hans Van der Laan, uma imagem dos yalis negros na margem do Bósforo vistos a partir do jardim de Süleymaniye.
No decurso do meu estágio profissional fiz um acompanhamento de obra, um projecto de execução, dois estudos prévios, dois licenciamentos, dois concursos, maquetas, cadernos, processos, formulários, directas, desenhei e imprimi quilómetros de papel "coated" HP. A minha formação foi vulgar no sentido em que cumpriu todos os requisitos desejados para essa fase de aprendizagem. Foi plena. Deste ponto de vista, opto por não vos convidar a atravessar a porta do 2.º andar esquerdo do número 108 da Rua da Alfandega de Lisboa, onde o atelier bugio se refugia e diverte a pensar, desenhar e construir arquitectura. Julgo ser mais pertinente centrar este relatório na análise dos momentos que considero terem sido os mais gratificantes e insólitos da minha preparação para o ofício. Tiveram lugar do lado de fora da porta do atelier e consistiram em viagens que realizei, ora acompanhado pelo arquitecto João Favila Menezes, ora sozinho, que tiveram um papel decisivo no modo como entendo o mundo, a vida e a profissão. Por acreditar que as obras de arquitectura constituem a principal fonte de conhecimento do saber arquitectónico, procurei recordar as lições que obtive em quatro viagens que culminaram nos claustros dos mosteiros de Santa Maria Scala Coeli, La Tourette, Alcobaça e do conventinho da Serra da Arrábida (Sim, também tem um claustro. Líquido e gasoso, segundo o qual se alinha o convento. É o limite entre o mar e o céu, é o horizonte)."