Hoje acordei com uma súbita vontade de tirar um curso de hospedeira de bordo. Fui à Internet, pesquisei companhias e cursos e achei o que mais se adequava a mim. Tinha tudo para dar certo, nem a minha altura me impedia de ser rainha dos céus. Excepto por uma coisa. Aliás, por 19 coisas. Tenho tatuagens.
Nunca pensei dizer isto, escrever isto, ou viver numa sociedade em que isto acontece mas, de facto, não posso ser assistente de bordo porque tenho tatuagens em locais não cobertos pela farda. Nada extravagante, nada ofensivo, mas uma pequena frase ou um pequeno número impedem-me, neste momento, de seguir um sonho. E quem diz hospedeira diz mais dezenas de profissões e empregadores que ainda discriminam a tatuagem. Como se isso condicionasse a forma como desempenho uma função laboral.
E eu gosto de tatuar. É uma arte, é uma forma de expressão pessoal, minha, íntima, na única coisa que ainda me pertence a 100%: o meu corpo.
Mas fazem-me escolher entre o meu futuro profissional e embelezar a minha pele. Fazem-me escolher entre ter uma carreira e um futuro promissor e pintar o meu corpo a meu bel-prazer. E essa é uma escolha que eu não posso fazer porque o meu futuro é o meu corpo, eu e ele somos um só. Mas também gostava de não estar condicionada nas opções de carreira.
Demente, eu, que pensei que estudar e aprender me valiam para ser empregue. Que o que interessa é o que eu sei fazer, como o faço e como aprendo o que não sei. Mas, afinal, o que conta é a imagem no meu braço; a frase na minha perna.
E ainda levar de arremesso perguntas como "E quando fores velha?". Olha, provavelmente serei uma velha tatuada. E feliz. E, se não tiver sido uma hospedeira de bordo, bancária de sucesso ou milionária, provavelmente terei sido igualmente feliz, a pintar o meu corpo. O que eu defendo é que não condicionem as minhas opções pelo facto de eu gostar de pintar as paredes da minha casa. Avaliem as capacidades, incapacidades, personalidade e carácter. Isso sim, importa. O resto é tinta em telas alheias.