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Estou além, naquela caravana

Olhar para as caravanas na estrada, estacionadas em praias, com dois banquinhos à porta e um fogão campingaz a aquecer uma de comida, é uma forma de libertação

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Cathal McNaughton/Reuters

Não sei porquê, mas eu sempre quis uma caravana. Aliás, eu sei porquê... porque desde que eu era novinha e ia nas viagens com os meus pais, que ouço o Meio-Quilo dizer "um dia, vamos ter uma auto-caravana e vamos viajar pelo mundo". Naquele momento, sentados no Fiat Panda, corríamos o nosso bocadinho do mundo dentro do 4x4, com a Reguila aos nossos pés, uma mala congeladora entre mim e a Diana, e António Variações a tocar na rádio.

E era assim, rumo a Marrocos ou a Lyon, que íamos olhando para as caravanas que passavam por nós e sonhávamos. O pai sempre disse que, quando um dia se reformasse, e eu e a Diana tivéssemos idade para voar do ninho, ele e a mãe iam viajar na dita caravana. E ele ainda andou de olho numas quantas, mas nunca as chegou a comprar. Faltou-lhe o tempo e a vida.

Mas, hoje em dia, eu ainda conservo essa vontade de pegar numa e correr o mundo, sobre quatro rodas. Quando ando de carro faço sempre questão de dizer "um dia ainda hei-de ter uma e vamos viajar durante um ano". Mas é só um desabafo. Porque para ter uma caravana e viajar durante um ano é preciso muita coisa: dinheiro, tempo, desapego tanto a nível de bens, como de pessoas e de entidades (neste caso patronais). Mas é um sonho válido, ou nem por isso?

Olhar para as caravanas na estrada, estacionadas em praias, com dois banquinhos à porta e um fogão campingaz a aquecer uma de comida, é uma forma de libertação. Libertação destas amarras sociais e mentais que me condicionam. Não o faço porque "ainda tenho a faculdade para acabar" e depois disso "tenho de procurar trabalho", ou não posso "porque tenho contrato e não posso sair daqui assim". Portanto, sonhar com viagens em caravanas pelo mundo fora é libertar a mente para uma experiência que ainda não me posso dar o luxo de viver. Ou, assim acho. Porque eu posso despegar-me de todos os "luxos" e ir. Encher uma mala de pequenos essenciais e rumar, quiçá a Marrocos, para reviver os meus quatorze anos, altura em que, no Fiat Panda, viajávamos apertados, sem a comodidade da auto-caravana, mas felizes. E conhecemos a nossa quota parte do mundo.

Portanto, a caravana é uma metáfora. Eu posso pegar no panda, estacionado na garagem da minha irmã, e dar a volta ao mundo. Nada me prende, se eu não quiser. Nem mesmo não ter, ainda, licença para conduzir. Arranja-se companhia que a tenha.

Já cantava Variações, "Vou continuar a procurar o meu mundo, o meu lugar, porque até aqui eu só estou bem aonde não estou. Porque eu só quero ir aonde eu não vou". E, se um dia a cabeça perder o juízo, o corpo pagará a conta de todos os sonhos até aqui presos.

O que interessa é ir. Se não se pode ir um ano, vai-se um mês. Mas vai-se.

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