Deixem-me colocar já alguma clarividência no assunto: não nos preocupam os momentos solitários, os afazeres que guardamos para nós próprios sem a companhia de alguém. Também não nos amachucam os comentários dos pais e avós a dizer que “havias de arranjar uma miúda para nos dares uns netinhos”. E de certeza absoluta que a liberdade de fazer o que nos dá na veneta também não é aborrecimento.
Ser solteiro é ter orgulho no eu. É assumir que cada hora do dia é entregue numa bandeja a nós mesmos. No trabalho, nas conquistas, no lazer, nos encontros fortuitos, até mesmo nos amores familiares e nas amizades. É um dar para receber, raras vezes um altruísmo gratuito. E o que daí vier por acréscimo é bónus. Ser solteiro é manejar um dia com a flexibilidade que nos permite a agilidade da cintura e da omnipresença. Aproveitar, aproveitar, aproveitar. Porque temos consciência que nós, solteiros, estamos em condicional, com pulseira electrónica e tudo. Vai-se a ver e quando menos se espera nascem as obrigações todas: conjugais, matrimoniais, parentais e outros ais que tais.
Mas não se deixem enganar por esta nossa raça. Quando um solteiro afirma com uma firmeza fora do comum que está lindamente assim, só, não liguem. É mentira. Ninguém está bem sozinho. Um dos maiores problemas da questão é que os grupos de amigos são fechados, as redes de conhecidos são sempre as mesmas e as rotinas tornam as potenciais paixões em acontecimentos que falharam antes de ser principiados. “Tenho de arranjar uma rapariga decente”, dizia-me há dias um grande amigo. Outro amigo, horas antes, tinha-me dito mais ou menos o mesmo: “tenho de ver se me começo a despachar, os meus amigos andam todos a ficar noivos”. Nós, os solteiros, sofremos todos do mesmo mal: ser “bon vivant” também chateia.
Portanto, é isto: estamos solteiros porque gostamos de o ser. Se apetece fazer, fazemos. Se não, há mais onde gastar o tempo. As liberdades quase nos levam às fronteiras da libertinagem. Mas depois, sabemos como é — até porque não há solteiro que não saiba o que é uma paixão. Depois, dizia eu, é aparecer aquela cara, aquele pedacinho de gente, capaz de nos arrancar o chão que trazemos debaixo dos pés e é um querer mandar a solteirice para o maneta. É querer entregar todo o ser e todo o estar a alguém que não nós mesmos. Gratuitamente. Irracionalmente. Seremos conscientemente inconscientes. E gostaremos de cada momento, numa busca constante por mais.
Até lá, não nos aborreçam nem pressionem: se estamos assim é porque queremos estar. Quando quisermos mudar, a gente cá se arranja.