O homem dos mil acordes

Se lhe virem a cara de barba aprumada e boina sobre a cabeça, bem como uma guitarra à tiracolo, está desfeito o mistério: eis Frankie Chavez, o homem solitário que põe multidões aos saltos quando saca da algibeira os seus blues

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Na minha modesta opinião, Frankie Chavez é um dos gigantes da guitarra em Portugal, a par de Tó Trips e Filho da Mãe. Vi-o pela primeira vez em 2012, no Cinema São Jorge, por um mero acaso. Sendo eu próprio um guitarrista amador, fiquei facilmente esmagado com a mestria do homem. Foi, por isso, com uma euforia contida que ganhei consciência que, pelo meio de uma agenda preenchidíssima, o Frankie Chávez tinha arranjado tempo para beber uma água comigo. “Não me posso queixar, tenho tido datas e tem sido fixe. Tenho tocado bastante em Itália, não sei bem como nem porquê”, admite.

Comecemos pelas apresentações: o Cartão do Cidadão deste indivíduo diz “Joaquim Francisco Chaves”. Por este nome, poucos são os que o conhecem. Se lhe virem a cara, porém, de barba aprumada e boina sobre a cabeça, bem como uma guitarra à tiracolo, está desfeito o mistério: eis Frankie Chavez, o homem solitário que põe multidões aos saltos quando saca da algibeira os seus blues. “O nome foi uma brincadeira”, revela. “Na altura em que eu estava a gravar com um produtor, antes do Optimus Discos, que era o Francisco Faria, ele dizia que eu tinha de arranjar um nome internacional e acabou por registar o Frankie Chavez. Queríamos que não fosse identificável. Não queria que as pessoas me conotassem com o gajo português que canta em inglês. Para mim, este gajo é um gajo qualquer. A música é que tem de falar por si." Amén.

O gosto pela guitarra nasceu-lhe há muito tempo, tinha este homem nove anos de idade. “Comecei a ter aulas com o professor de música da minha escola. Lembro-me que, dois anos depois, já estava a tentar tirar músicas de ouvido, de coisas que ouvia na altura, tipo Pink Floyd, Led Zeppelin, AC/DC. Depois comprei uma guitarra eléctrica e, como o meu irmão tinha uma bateria, acabámos por tocar juntos. E nunca mais parei. Ainda estive um ano no conservatório”, recorda.

Mas houve o momento em que teria de parar de tocar as músicas dos outros. “Na altura eu pensava que se conseguisse fazer o que aqueles gajos fazem nos discos, estava a aprender bem. Por um lado, isso foi fixe porque me deu aquele desafio de saber como se chega a um determinado som, mas por outro dei por mim a tocar as músicas dos outros e isso chateou-me um bocado. Por isso comecei a tentar tocar a minha música. Mas isso só aconteceu nos meus vinte e tais, quando toquei com o Tiago Bettencourt e outro amigo nosso, num projecto que acabou por dar origem aos Toranja. Eu tocava baixo, na altura tinha-me afastado das guitarras. E esse foi o meu escape para começar a tocar numa maneira mais própria." Frankie faz uma pausa e reflecte, com um sorriso, deixando escapar uma frase mais para si mesmo do que para quem ouve: “por acaso nunca tinha pensado nisto…”

As viagens, o ano sabático em Barcelona e o intercâmbio na Austrália deram-lhe estaleca para tocar outras malhas e saltar para outros voos. Ouviu de tudo um pouco e reuniu inspirações no espectro rock e blues: Jimi Hendrix, Ramones, Bruce Springsteen, Rolling Stones, Pennywise, NOFX, No Use For a Name, Gary Moore, Eric Clapton, Robert Johnson, Skip James, Mississipi John Hurt, John Butler e o seu herói pessoal Kelly Joe Phelps.

E as letras, Frankie, onde as vais buscar? “Eu escrevo sobre o que me rodeia, não encarno personagens. E o que eu vi acontecer nestes últimos dois anos foi merda atrás de merda. Foram complicações em Portugal, a nível de malta que teve de sair para outros sítios porque não havia condições. Até tivemos um ministro a dizer que o pessoal tinha de ir para fora. Vimos falcatruas como esta do BES e ninguém ir preso ou ser chamado à responsabilidade. Não foram bons tempos, que também coincidiram com a minha decisão de ser músico a tempo inteiro e encontrar uma série de dificuldades. Não estou a dizer que não me deu um alto gozo tentar ultrapassá-las, mas foram momentos não muito fáceis. Os temas surgiram de tudo isto. Mas quando escrevo sei que também caio no erro de estar a ser um bocadinho moralista e esse não é o meu objectivo. Eu escrevo como se estivesse a falar para mim”, lança.

Antes da música, Frankie (ou deverei dizer Joaquim?) era um tipo como tu e eu, com o trabalho das nove da matina às dez da noite, esforçando-se sempre por manter viva a arte que sempre subsiste nos tempos livres. Antes de trabalhar em marketing, tirou um curso de Gestão e uma pós-graduação em Marketing, esta última em solo australiano. “Fui com um amigo meu e pensávamos que ia ser só surf e ir às aulas de vez em quando; foi precisamente o contrário. Foi uma grande experiência porque fartei-me de lá tocar, levei duas ou três guitarras, toquei na rua, sozinho e com outro pessoal, e comecei a escrever mais música”. No regresso, havia um emprego à espera, que conseguiu sobreviver quando a música ainda não exigia tanto do Frankie. Foram seis anos de escritório.

Frankie Chavez é pai de dois filhos e homem casado. Um homem de família, portanto. “Tive de conciliar a vida da estrada com a família e nem tudo foi fixe. Um gajo ter de sair durante duas semanas e deixar cá a mulher com dois miúdos, sabendo que aquilo está a ser dureza porque eles são pequeninos e não poder ajudar por estar a fazer a sua cena… Nessas alturas, interrogas-te sempre se estás a ser egoísta ou se deves desistir. Mas eu também não quero que os meus filhos olhem para mim e digam que deixei de fazer isto por causa deles. A minha mulher dá-me imenso apoio, mas muitas vezes tem de aguentar o barco sozinha e isso deixa-me um bocado a pensar”, reflecte.

O futuro passa apenas pela promoção do disco. Enquanto se fazem festivais em solo luso e outros concertos fora de portas, o Frankie quer dar uma novidade em primeira mão: “Estamos a marcar uma tour de auditórios para apresentar o 'Heart and Spine', que há-de acontecer em Outubro e Novembro”. Estamos ansiosamente à espera.

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