Marta costura as palavras que não saem de dentro de nós

Marta Ramos é costureira de palavras. Escreve declarações de amor, discursos, frases para acompanhar flores, votos de casamento ou mensagens para o atendedor de chamadas. É um cruzamento entre uma copywriter do século XXI e a versão feminina de Cyrano de Bergerac

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Quando lhe perguntam o que faz, responde que escreve. A palavra é a sua matéria-prima. Escreve o que lhe pedirem: cartas, declarações de amor, discursos, convites de casamento, uma frase bonita para acompanhar um ramo de flores, livros, press releases, textos para sites ou para serem lidos em voz alta, contos de Natal personalizados, uma mensagem para o atendedor de chamadas, um slogan. Não há limites. “Posso não saber pregar um botão, mas consigo descrever epicamente o acto de pregar um botão. A palavra é o meu trabalho, o meu lazer, o meu caminho”, garante. Marta Ramos, 39 anos, é a costureira de palavras, uma espécie de cruzamento entre uma copywriter do século XXI e a versão feminina de Cyrano de Bergerac mas “menos trágica e um pouco menos nariguda”.

Em 2000, entrou na revista Volta ao Mundo e lá ficou como jornalista de viagens durante cinco anos. “Aprendi imenso, a prestar atenção a todos os pormenores, a descobrir histórias no quotidiano dos lugares, a condensar a escrita”, recorda. Daí passou para o portal de viagens e lazer Lifecooler. Mais cinco anos a escrever, a explorar diferentes suportes, a correr o país de lés-a-lés. De Cascais, onde nasceu, mudou-se para Coimbra em 2004. O nome “costureira de palavras” surgiu no início de 2012. “Foi um parto a ferros, precisava de maturar a ideia. Quando comecei a acreditar, senti uma grande responsabilidade”. O baptismo encaixou que nem uma luva. “A analogia com a costureira ilustrava bem a minha proposta: escrita por medida”. É o que agora faz num portátil preto a partir de casa, em Coimbra.

Começou com um blogue artesanal, mas depois do facelift do site feito pelo Quarto de Mudança, a escrita à medida ganhou outra visibilidade. Sempre quis ser escritora. Em miúda, escrevia poemas que obrigava a família a ouvir. Aos 16 anos, colaborava com o Jornal da Costa do Sol, de Cascais, no tempo em que a paginação ainda era feita com tesoura e cola. Entrou no curso Ciências da Comunicação da Universidade Autónoma de Lisboa, entretanto surgiu a oportunidade de estagiar no Diário de Notícias e acabou por perder a vontade de voltar à faculdade. “O meu primeiro emprego, depois de algumas experiências de férias, foi no Teatro Experimental de Cascais. Na altura já havia computadores, claro, mas ali ainda se escrevia à máquina: os textos das peças de teatro, os respectivos programas, as cartas para a Sociedade Portuguesa de Autores”. Cresceu entre máquinas de escrever que havia lá por casa e isso não se esquece.

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Depois de ter sido mãe, em 2010, Marta começou a procurar outros caminhos profissionais com experiência na bagagem e vontade de uma maior liberdade criativa. Começou a colaborar na revista online Zankyou, dedicada a casamentos, que agora edita. Criou com várias amigas o blogue Senhoras da Nossa Idade, conversas de quem já passou os 30 e se aproxima dos 40. Participou na criação do projecto solidário Olha-Te nas Caldas da Rainha. E ainda fez alguns trabalhos de pesquisa e escrita para a editora Imagens & Letras de Leiria. “A versatilidade é uma das principais características do meu trabalho”, sustenta. No Natal passado, ofereceu-se para escrever a peça para a festa da creche do filho. A experiência correu tão bem que nasceu o livro Balbúrdia na Fábrica de Brinquedos com ilustrações assinadas por Mariana Rebocho, outra mãe designer.

Quem quer escrever à costureirinha?

“Apesar de haver um lado muito íntimo e solitário na escrita, de que eu preciso, há depois outro lado, o das parcerias com gente inteligente e criativa, que me estimula imenso e em que acredito cada vez mais”, conta. Marta não consegue estar parada e sente-se bem a fazer várias coisas ao mesmo tempo. No Natal passado, lançou o desafio de troca de postais entre gente que não se conhece e a coisa correu bem. Assumidamente apaixonada pela correspondência que chega pelo correio, a costureira de palavras compromete-se a escrever uma carta ou um postal em cada dia de 2013 e a partilhar essa experiência no seu blogue. As cartas já andam por aí.

“Considerações ambientais à parte – prometo que arranjarei compensações para a pegada ecológica -, é a melhor forma, no ano de todas as crises e angústias, de acender 365 sorrisos”. “Acredito que mais pessoas se sintam contagiadas por este meu projecto e encontrem, na correspondência postal, uma forma de se reaproximarem de quem têm andado mais afastados – mesmo que seja o vizinho do lado”, diz ao P3.

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