Retrato de uma família LGBT... com filhos
Ana Nunes da Silva fotografa. Ana Clotilde Correia conta a história de casais homossexuais com filhos. O projecto com famílias arco-íris vai ter uma exposição e quem sabe um livro
Precisam-se: famílias arco-íris. Ana, a jornalista, e Ana, a fotógrafa, já registaram a história de três casais homossexuais interessados em envolver-se num projecto que pretende dar visibilidade à parentalidade LGBT.
Há uma família com gémeos falsos (um rapaz e uma rapariga), um casal com um menino de um ano e tal e a barriga de um casal de lésbicas. “Sabíamos que existiam, mas não conhecíamos nenhuma. Sabíamos de ouvir falar”, confessou ao P3 Ana Clotilde Correia. “Esta era a grande questão que tinha ficado por resolver depois da aprovação do casamento homossexual. Então isto não vai avançar tudo como em todos os países?”, pergunta-se Ana Nunes da Silva, que um dia tropeçou no site de Stefan Jora, fotógrafo norte-americano que coleciona retratos de famílias LGBT que vivem nos Estados Unidos.
“É um projecto documental e ao mesmo tempo activista e ao mesmo tempo muito bonito. E se fizéssemos em Portugal?” À pergunta de Ana Clotilde, Ana Nunes exclamou “brutal!”
Estava lançada uma parceria que rapidamente passou a ser uma “prioridade na agenda” da ILGA, que também afixou o anúncio no seu site (agora a par do 2.º Encontro Europeu de Famílias Arco-Íris, que decorre de 28 de Abril a 1 de Maio, na Catalunha). “Eles recrutaram-nos. Disseram ‘nós queremo-vos do nosso lado’. Estavam tão interessados neste tipo de trabalho que parecia um acto de fé”, recorda a jornalista Ana Clotilde Correia, que já tinha estabelecido contacto com Stefen Jora (respondeu algo como “força aí!”) e que já havia encontrado projectos semelhantes no hall da conferência Famílias no Plural, que aconteceu em Outubro, no ISCTE. “Nós não queríamos ser originais, queríamos fazer”.
“As fotografias falam por si”
O trabalho — ainda sem nome — “entra na intimidade”. E “isso é muito complicado” no que ao recrutamento diz respeito. “Muitas das famílias não estão interessadas em participar de uma forma explícita”, explica Ana Nunes, que concilia a paixão pela fotografia com o emprego na área de Gestão.
“As fotografias falam por si”, sugere Ana Clotilde, 31 anos. “Nestes casos a visibilidade é muito importante. As pessoas partem do princípio de que este tipo de famílias não existem. E nem sequer o estão a fazer de uma forma preconceituosa. É mais uma questão de desconhecimento. Em contacto com a realidade, a esmagadora maioria muda por completo de opinião”. Estes retratos de família são “mais fotojornalismo”, é uma perspectiva “crua”, segundo Ana Nunes (23 anos), que tenta passar despercebida — mas que sabe que isso “é quase impossível; não queremos esconder que estamos lá”. “Não valem tanto pela pose. São tirados enquanto as pessoas fazem a vida normal”.
Ana, a jornalista, e Ana, a fotografa, achavam que “as famílias iam ter problemas em aparecer principalmente num país em que toda a gente se conhece”. “Não queríamos que nada dessa intimidade fosse roubado”, diz Ana Clotilde, que deixa aos casais a palavra final sobre a publicação das fotografias, que num futuro próximo circularão numa exposição (e talvez num livro). “Queremos que sintam que são parte do projecto. Estamos a tentar convencer algumas famílias. Não pode ser um esforço, não resulta. Este é um projecto em construção. Não temos pressa”.
Já foram fotografadas três famílias de mulheres (há um casal de homens com um português, mas está em Bruxelas), entre as quais duas mulheres que casaram em Portugal, fizeram a inseminação em Espanha e agora vivem em Paris. “Elas costumam dizer ‘na Europa podemos fazer tudo, mas não no mesmo sítio’”, cita Ana Clotilde, consciente de que “a realidade portuguesa é singular”. “O normal é primeiro surgir a parentalidade homossexual e só depois o casamento entre pessoas do mesmo sexo”.
O projecto já se cruzou com duas discussões na Assembleia da República — numa o Parlamento reiterou a proibição e punição do acesso à inseminação artificial para mulheres solteiras e casais de lésbicas; na outra foi negado o alargamento alargamento da possibilidade de adoção a casais do mesmo sexo —, mas as duas Anas não esquecem os “votos dissonantes” e as “abstenções”. “Estamos a fazer um caminho”.