A película já está a rolar no projector. Ela empunha uma Super 8 que não é uma arma. Há uma miúda a comer estrelitas enquanto baloiça os pés, uma outra a fazer bolinhas de sabão na cama. Aquela dança sozinha no quarto. Será fácil equilibrarmo-nos em carris?
Elas são oito, oito mulheres que lidam com a sua homossexualidade de diferentes maneiras. Vivem em Lisboa, uma "cidade linda", e, por isso, palco central de "Lx Menina e Moça", confirmam Zara Pinto e Márcia Raposo, criadoras da série televisiva que ainda não tem data - ou local - de estreia. A "promo" (ver vídeo acima), realizada sem qualquer financiamento, foi apresentada na semana passada e deixou meio mundo a interrogar-se - "onde?", "quando?", "como?".
Ainda sem comprador
Os rumores que davam conta da exibição na TVI não passam disso mesmo. "Nunca aconteceu nenhuma conversa com a TVI", confirma Zara, a realizadora, que entretanto já andou a saltar entre os dois canais (ainda) públicos. "Na RTP1 disseram-me que a série tinha perfil para a 2; o director da RTP2 gostou do projecto, mas respondeu que não tinha financiamento para uma série do género, que o melhor seria falar com a 1. E eu fiquei confusa."
A série está planeada para 13 episódios. Dois já estão escritos, mas por agora resta procurar um comprador. Há algumas hipóteses em cima da mesa. A mais improvável é aparecer alguém "de pára-quedas com uma proposta maravilhosa". Zara tem já reuniões marcadas com um canal de televisão e com uma plataforma de Internet. Se nada correr bem agora, promete não desistir.
"Eu não tenho de fazer a série hoje ou amanhã. É um projecto pessoal que não vou abandonar porque nos diz muito e porque as pessoas têm reconhecido valor", salienta. "O comentário comum é 'já faz falta uma série assim'. As pessoas querem ver, independentemente de serem gays, lésbicas ou hetero", confirma Márcia, argumentista e também mentora do projecto. "Para nós é apenas uma série", acrescenta Zara. "Se possível, com o tempo, gostávamos que as pessoas abandonassem a ideia de 'estamos a ver uma série LGBT'. Portugal precisa de séries que digam alguma coisa aos jovens."
O "L Word" português?
Tal como muitas ideias, tudo começou num jantar há já quase três anos. Zara, inspirada por uma "situação", decidiu escrever sobre o que se tinha passado e mostrou o texto à amiga de longa data. A reacção foi um desafio: "E porque não fazer uma série a partir disto?" As primeiras personagens foram rabiscadas no toalha de papel de um restaurante.
Seis meses depois, Zara partia para a Universidade de Austin, no Texas, para usufruir de uma bolsa de seis meses, recebida, em 2010, no âmbito do Grande Prémio Zon Multimédia, que distinguiu a sua curta-metragem "Romeu e Julieta - O Musical". Foi com cinco episódios da hipotética série escritos; regressou e, seguindo os conselhos de um professor que trabalhara na HBO, reestruturou muita coisa. "Cheguei e começámos a trabalhar nessas falhas para que a série pudesse [alcançar qualidade para] interessar lá fora." A internacionalização é uma possibilidade desde o início, reflectida também na escolha das actrizes - Filipa é ruiva, Mia é asiática. E não só: "É sobre isto que a série fala. Sobre diversidade, sobre ser diferente", enfatiza Márcia.
A badalada série "L Word" é, claro, uma referência "inevitável", mas aqui a realidade é outra, a sociedade é diferente. "O 'L Word' começa com a Bette a dizer à Tina 'let's make a baby'. Em Portugal tem de se ir mais atrás. Cá nem temos legislação adaptada [à inseminação artifical]; se fossemos por aí iríamos fazer uma série futurista".
E porquê só sobre mulheres? "Porque eu não sei escrever sobre homens", responde, prontamente, Zara. Márcia apazigua: "Vamos ter uma personagem, homem, representativo da comunidade gay. Mas é natural que se torne mais fácil para nós escrever sobre mulheres, para mulheres." Não é a história delas, não é uma série biográfica, mas tem muito delas, das amigas e, claro, de Lisboa.