O Capitão Falcão é um pai de família. Tem três filhos, casou-se aos 18 anos e nunca mais dormiu com outra mulher. “Queremos que ele seja o super-herói mais conservador do mundo”, contou ao P3 João Falcão Capitão Leitão — o realizador gosta do trocadilho, nós também.
João Leitão, realizador da produtora Individeos, cresceu entre “muita, muita banda desenhada” e “sem super-heróis portugueses (e o Major Alvega não conta porque é uma banda desenhada inglesa traduzida para português)”. “Portugal sempre precisou de um super-herói”. O projecto nasceu dessa urgência.
O nosso herói (interpretado pelo actor Gonçalo Waddington, a par do sidekick David Chan, que veste a pele de Puto Perdiz) vive nos anos sessenta e é “um fascista do carago, o oposto do Batman de certa maneira”. “É um total idiota que começa todas as conversa a bater em alguém. É como ele diz olá”.
As questões políticas da série são evidentes. Comunistas de macacão (tipo Super Mario), múmias munidas de martelo e foice, raios que convertem “os fracos de mente”, o actor José Pinto na cadeira de Salazar e um super-herói que come comunistas ao pequeno-almoço.
Comer comunistas ao pequeno-almoço
“Há muita gente nesta fase de crise que comete a estupidez de falar nos bons velhos tempos. Não eram bons velhos tempos. Um dos nossos objectivos era gozar com essa ideia ‘ah no meu tempo é que era’”.
O episódio piloto, apresentado na abertura do MOTELx, irritou algumas pessoas. “Podia ter escolhido um vilão que tivesse irritado menos pessoas”, (não) lamenta João Leitão. “Tenho sempre medo quando alguém leva aquilo a sério. É uma paródia. E há pessoas que levaram aquilo a sério. Estou a falar de partidos ultra-mega-hiper-conservadores a roçar o fascista”.
Mas esta “não é uma série sobre um gajo que bate em comunistas”. Esse combate é apenas para o primeiro episódio, uma espécie de Green Hornet salazarista. Nos restantes “nem sequer voltam a aparecer comunistas”. “Porque há muita, muita coisa para gozar no Estado Novo e na sociedade portuguesa pré 25 de Abril”.
Shaw Brothers vs Bergman
Se o argumentista Tiago Rodrigues quer fazer um episódio musical, João Leitão, que também esteve nas rédeas do Mundo Catita, quer muito fazer “um episódio noir, a preto e branco, tipo Maltese Falcon, narrado pelo Falcão, uma coisa tipo Humphrey Bogart”.
Existirá sempre o tom pastel de Batman (versão Adam West), piruetas made in Jovens Heróis de Shaolin, muito Shaw Brothers e “filmes manhosos de acção do videoclube Rambo, que já não existe”.
“A maioria das referências não são muito boas. Não é Pasolini nem Bergman ou nouvelle vague”, avisa João Leitão, orgulhoso de ter um nome que encaixa no manual Stan Lee. “A primeira letra de cada nome tem que ser igual (Puto Perdiz) ou rimar (Capitão Falcão)”.