Há um punho cerrado, retorcido e engravatado onde menos se espera (serigrafias numeradas da Oficina Arara) e há personagens que flirtam na montra do Café Ceuta. (“1953” Pandora Complexa). Há uma Dama Aflita e uma Ó!, um Gesto, um Papa Livros e um Mundo Fantasma. Porquê? Porque no Porto a ilustração está a pensar alto.
O lápis, os blogues e a vontade de fazer coisas. A evolução foi mais ou menos essa, confirmam os cinco ilustradores que o P3 apresenta a partir de segunda-feira, 26 de Setembro.
Hoje, a coisa – e a coisa é a ilustração – “vive de um fluxo, de uma energia... de ir criando e de ir trocando ideias, de criar sentido para o trabalho, fazendo-o”, explicou ao P3 Nuno Sousa, professor na ESAP (Escola Superior Artística do Porto) e autor do blogue Sorvedouro.
Nuno Sousa está consciente de que o Porto, onde recentemente aterrou o seu Clube de Desenho, é “um meio que não está controlado”, um campo minado onde começam a surgir muitas bandeiras vermelhas a assinalar a acção.
O boom, sublinha Júlio Dolbeth, “tem a ver com o facto de os ilustradores e artistas poderem publicar os seus trabalhos online, nos blogues e comunidades, sem estarem dependentes das editoras”. “Essa foi a revolução”, prossegue o professor da FBAUP e um dos fundadores da Galeria Dama Aflita, a primeira do Porto a dedicar-se à ilustração em regime de exclusividade.
"Obrigada a tornar-se autónoma, [a ilustração] reinventa os seus próprios suportes (fanzines, posters, grafittis, tumblrs e facebooks)", realça Mário Moura, também docente na FBAUP. "Cria também as suas formas de organização laboral, juntando-se em Colectivos, Oficinas ou Associações."
Pura sobrevivência
A culpa é do Porto, que “está a evoluir de uma forma efervescente” e a sacudir um estigma antigo. “Temos um potencial grande que é o potencial humano. Todos os dias acontecem coisas novas”, completa Dolbeth, autor do blogue Pandora Complexa (juntamente com Rui Vitorino Santos).
O lado saudável da autoedição, da falta de estruturas, é precisamente esse: “trabalhos de autor nas paredes, descontextualizados”, sugere Nuno Sousa.
“O facto de o Porto até há pouco anos não ter praticamente vida nocturna, de não haver espaços e estruturas onde as pessoas que estão a iniciar o seu trabalho o possam desenvolver, editoras, pequenos teatros e salas de espectáculos na área da música, faz com haja um lado inconsequente e saudavelmente inconsequente na arte”.
Começam a sair debaixo das pedras os autores e os núcleos independentes que existem (em tiragem pequena, quase caseira) como estratégia de sobrevivência.
Existe, comenta Nuno Sousa, “o lado inconsequente de se ir fazendo” num cenário “muito pobre”, “muito pouco organizado”, onde “praticamente não existe uma proposta editorial e pessoas que façam propostas, que apontem a lanterna”. “É difícil haver a digestão daquilo que se produz. Produz-se, ingere-se, ingere-se e não se digere. Chegará com o tempo”.