Chama-se “Carrie”, mas não é o de Brian De Palma. Foi realizado em 1952 por William Wyler, que já conhecemos de “Mrs. Miniver”, estreado dez anos antes. Espero que também se lembrem dos protagonistas, caso os tenham visto, como sugerimos em semanas anteriores, em “Rebecca” (Laurence Olivier) e em “O Retrato de Jennie” (Jennifer Jones) ou em outras longas-metragens que mereçam memória positiva.
O facto de os termos encontrado antes torna mais interessante o jogo de observação e apreço, pois cada nova intervenção de cada um destes ou de outros artistas nos mostra algo mais sobre a sua capacidade de se desenvolver em diferentes planos, de crescer, de variar, de acrescentar um valor particular à obra colectiva.
Outro exemplo: a música é de David Raksin, o mesmo compositor de “Laura”. Ao fim de alguns filmes, ficamos com vários amigos. É Jennifer Jones, como Carrie, que faz arrancar a história, que apresenta os elementos principais de tensão com que conquista a atenção do espectador, numa representação de tão profunda ingenuidade que torna mais injustos e graves os ludíbrios de que se vê alvo.
Embora demorando um pouco a entrar em cena, no entanto, assim que Laurence Olivier, como George Hurstwood, recebe o testemunho das mãos dela, desata a correr até à sua própria meta, até os atolar aos dois e lamentar, com as mãos na cabeça: “O que é que eu fui fazer?...” Tarde de mais. É uma parábola sobre quedas, perdas, degradação, sob dois pontos de vista (três, contando com o do realizador; quatro, contando com o do espectador).
Ela, Carrie, nada tinha de seu, além da beleza da juventude, e tudo procurava, na grande cidade. Em breve conheceu mais do que imaginara, primeiro com o vulgar Charles (“Charlie is the name; charm is the game”), num jogo de enganos e desilusões, depois com o cavalheiro George, que brevemente lhe mostra a felicidade, para a perder logo a seguir, com ele, num segundo jogo de enganos e desilusões.
Ele, George, pelo contrário, tinha tudo, excepto uma mulher que o amasse. Para ter isso arriscou esse tudo que tinha, perdendo-o, mais o que buscava. Da nova miséria, ela salvou-se; ele já não. Cumpriu ela a pena de não poder partilhar a riqueza com quem se tinha arruinado por ela; achou-se ele condenado à pena perpétua de não suportar mostrar-se tão pequeno àquela que o tinha tomado por grande. E raramente se terá representado com este grau de plausibilidade o terror de se ser inexoravelmente aprisionado pela miséria humana, incluindo a maior, a que está dentro de cada um.
(Uma nota curiosa: Charles Drouet é interpretado por Eddie Albert, um actor que podemos ver em papéis secundários quase sempre simpáticos e quase sempre competentes. A determinada altura, em “Carrie”, há uma referência a uma propriedade chamada Green Acres. Ora, anos mais tarde, de 1965 a 1971, “Green Acres” seria o nome de uma série de televisão que lhe daria a fama como Oliver Douglas, um advogado que troca Nova Iorque por um interior profundo e bastante cómico dos EUA. Em Portugal chamou-se “Viver no Campo”)