Inês Telles juntou a história de arte à joalharia (e agora fez as malas para São Francisco)
A designer expõe, este fim-de-semana, num evento da loja do MoMA de São Francisco, para o qual foi convidada pela directora da loja.
Entre o grande mapa da América do Sul que decora a zona de trabalho e os elementos da natureza cuidadosamente dispostos em prateleiras, gavetas e expositores, o atelier de Inês Telles é um reflexo das suas colecções. A criadora de 31 anos, formada em história de arte, fundou em 2009 a sua marca epónima.
No espaço situado na Estrela, em Lisboa, recebe o Culto em dia de mudanças. Não só porque se prepara para mudar para um novo atelier, mas também porque no dia seguinte viaja para São Francisco, para expor as peças no Jewelry Trunk Show da loja do San Francisco Museum of Modern Art (SFMoMA). O evento anual acontece já este fim-de-semana, nos dias 14 e 15 de Abril, e reúne o trabalho de 23 designers internacionais.
A proposta foi feita pela directora da loja, Jana Machin, que Inês Telles conheceu no ano passado, durante o salão parisiense Bijorhca, e convidou a visitar o seu atelier, quando estivesse em Lisboa. Assim aconteceu: Machin conheceu o espaço, fez uma "boa" encomenda para a loja (onde estão agora à venda as peças da joalheira) e, meses depois, convidou a designer a participar no Trunk Show. “Saber que alguém que selecciona peças tão distintas e cuidadas para uma loja, está a escolher as minhas peças é muito bom”, comenta Inês Telles.
Conhecidas pela meticulosidade com que seleccionam os produtos, as lojas do MoMA são dos espaços mais respeitados pelos amantes do design. "Para um retrato do futuro, olhem para o MoMA Design Store", escreve a FastCompany, referindo-se ao espaço original, de Nova Iorque.
"Há uma linha condutora" entre as colecções que cria. Pode ser, por exemplo, a existência de diferentes reinterpretações – umas mais orgânicas, outras mais geométricas – das formas que vai buscar à natureza e às culturas antigas (como a cultura grega ou a etrusca) e, acima de tudo, a elementos da América do Sul. Os vestígios dessas fontes de inspiração estão espalhados por todo o atelier: na fotografia de um povo indígena, pendurada na parede, e na música brasileira que aquece o ambiente, por exemplo.
O atelier, um antigo apartamento, divide-se por três espaços: o showroom, logo à entrada, onde Inês recebe os clientes; a zona de oficina e a antiga cozinha, que serve como um espaço auxiliar. A mistura das peças distintas de mobiliário vintage, as ferramentas antigas (umas funcionais, outras meramente decorativas) e as janelas rasgadas, que inundam o espaço de luz, completam o cenário.
De resto, as ferramentas e maquinaria dão à sala de trabalho um ar de oficina à antiga: os moldes, as adrastas mecânicas, o maçarico, etc. No meio da sala, fixo ao chão, está o laminador, que serve para alterar a espessura das chapas e funciona numa lógica semelhante à da máquina de fazer massa.
Inês trabalha sobretudo com prata e prata banhada a ouro. Faz peças em ouro apenas por encomenda. A ajudar na produção tem uma artesã, Susana – que descreve como o seu "mega braço direito". As peças são produzidas no local e mandadas fundir numa fábrica no Porto.
Um percurso circular
A forma circular do logótipo da marca poderia ser simbólica do percurso da própria joalheira: formou-se em história de arte e pelo caminho encontrou a joalharia, mas foi às culturas do passado que foi buscar inspiração para as suas colecções. Foi ainda durante o curso que começou a interessar-se pela área e decidiu fazer um workshop com uma joalheira que conhecia. “Estava num curso altamente teórico e sentia falta de uma parte mais prática”, confessa.
Acabou por seguir esse mesmo caminho. Logo após terminar o curso, ingressou na escola de joalheiros Contacto Directo. Na altura já começava a comercializar algumas peças e acabou por criar a sua marca. “Foi muito natural. Fui fazendo umas peças, fui vendendo e fui crescendo. Fui participando em algumas feiras mais pequenas e criando uma carteira de clientes”, conta.
Era a marca ainda relativamente nova, quando decidiu mudar-se para São Paulo, Brasil, durante seis meses. “Queria uma experiência fora de Portugal, queria viver num contexto completamente diferente”, explica. Por lá, conheceu um ourives chamado Babu, ao lado de quem acabou por “aprender bastante” e, de regresso a Lisboa, encontrou o seu próprio espaço na Estrela – sendo que antes tinha partilhado escritório no Chiado com outra designer. “Quando se volta é com mais vontade de ficar. Acho que vim mais determinada e isso fez diferença no meu trabalho.”
Ainda assim, mantém um pé no estrangeiro, participando com frequência, não só na Bijorhca, como também na Inhorgenta, em Munique. “Costumo fazer uma pesquisa de galeristas e lojistas que eu gostaria que [me] fossem visitar. Acabo por entrar em contacto com eles primeiro, enviar convite. Acho que é importante haver esse trabalho prévio. A nível dos colegas, alguns já conheço há anos, [as feiras são] um ponto de encontro. De resto, é um efeito-surpresa”.
Uma dessas surpresas foi conhecer a directora da loja do SFMoMA. Curiosamente, Inês Telles tem tido uma relação ao longo dos anos com uma série de espaços artísticos. Quando esteve no Brasil, chegou a ter as peças à venda no Museu de Arte Moderna de São Paulo (MAM) e entre a lista de retalhista com quem já trabalhou tem nomes como o Museum of Contemporary Art de Chicago e a Loja Serralves, no Porto. "Gosto muito de vender para lojas e galerias. No fundo serão espaços que já têm a ver com a marca ou que de alguma forma se identificam com ela", comenta.
Nas vésperas da sua partida para São Francisco sente-se o ambiente de calma antes da azáfama. Inês decidiu ir uma semana antes, aproveitando o tempo, não só para passear, mas também para visitar alguns lojistas e galeristas.