Morreu José Antonio Abreu, criador do "El Sistema" que revelou Gustavo Dudamel

A rede de escolas musicais que fundou em 1975 deu a várias gerações de venezuelanos uma ferramenta de emancipação. No momento da sua morte, aos 79 anos, abrange 900 mil alunos e 10 mil professores e tornou-se um modelo replicado em 50 países.

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Músico e economista, deixou como grande legado "El Sistema", que ofereceu formação e futuro às crianças desfavorecidas da Venezuela Reuters/Carlos Garcia Rawlins

José Antonio Abreu começou a estudar música no final da década de 1940 em Valera, a pequena cidade andina em que nasceu em Maio de 1939. Seria já na capital venezuelana, Caracas, que completaria a sua formação em composição. Paralelamente, este cravista, pianista e organista, estudou economia, abrindo caminho para uma carreira política iniciada em 1957, quando foi eleito deputado do país. Não é, porém, pelo percurso político, que incluiu também trabalho governamental no Ministério da Cultura, que o recordamos no momento da sua morte, que chegou neste sábado, aos 78 anos. A sua obra-prima, o projecto de uma vida, anunciou-se em 1975, quando criou a Fundação do Estado para o Sistema Nacional das Orquestras Juvenis e Infantis da Venezuela.

Internacionalmente conhecida como El Sistema, é uma rede de orquestras e coros infantis e juvenis nascida com o objectivo de, através do ensino musical, oferecer uma hipótese de futuro e uma ferramenta de emancipação às crianças desfavorecidas do país. Actualmente, o projecto abrange 180 núcleos de orquestras, coros e outros grupos musicais em toda a Venezuela, integrando 900 mil alunos e 10 mil professores. Ao longo dos anos, foi-se também expandindo além das suas fronteiras, sendo um modelo replicado em mais de 50 países, incluindo Portugal, onde nasceu em 2007 a Orquestra Geração.

A obra de José Antonio Abreu ganhou definitivo protagonismo internacional, extravasando o universo melómano, com a ascensão da maior estrela criada no seu seio, Gustavo Dudamel. “Com amor dedicado e gratidão eterna ao meu mentor e ao pai de El Sistema”, escreveu o maestro da Orquestra Filarmónica de Los Angeles e "superstar" da música clássica na sua conta de Twitter, acompanhando uma foto de si mesmo e de José Antonio Abreu.

“Primeiro um programa social, depois um programa cultural”. Assim define habitualmente Dudamel o idealizado por José António Abreu. Em 2009, quando se deslocou a Portugal para dirigir a prestigiada Orquestra Simon Bolívar, uma emanação de El Sistema, foi peremptório: "O segredo é o maestro António Abreu, o criador de tudo isto - o seu empenho e a sua luta para conseguir dar à infância e à juventude venezuelana uma educação artística e uma possibilidade de mudança social através da música. Isso torna-o único e um herói no nosso país", disse ao PÚBLICO.

Há alguns anos, em declarações à AFP, “El Maestro”, como lhe chamavam carinhosamente os venezuelanos, dava conta do que estava no âmago do “programa social, depois cultural” que fundou na década de 1970: “Trata-se de crianças que estamos a retirar do mundo das drogas e da violência. Só sentar um rapaz para tocar num ensaio, quando ele poderia estar num canto da rua a fumar erva, é já um feito muito importante”.

“Deixou um grande legado, moral, ético, cultural. A sua obra encontra-se nos bairros venezuelanos”, afirmou o presidente do país, Nicolás Maduro. “Perdemos um grande venezuelano. Obrigado, maestro José Antonio, pelo seu bonito legado para os meninos, meninas e jovens da Venezuela”, escreveu em comunicado o ministro da Educação, Elías Jaua. “Fizeste-te eterno nos coros e nas sinfonias que semeaste”.

O seu trabalho foi reconhecido, em 1993, com o Prémio Internacional de Música da UNESCO. Em 2008, em Espanha, foi distinguido com o Prémio Príncipe das Astúrias para as Artes.

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