Por muito que Passos Coelho e Paulo Portas e as suas respectivas cortes continuem a arengar acerca do novo governo, a verdade é que o ciclo virou nos últimos meses. As eleições ainda este mês em Espanha já dão sinais de novas configurações políticas e, no início de 2016 as eleições na Irlanda lançam-se para ser a 4ª mudança de governo nos “PIIGS”. É o tempo de pressionar por mudanças concretas, de empurrar neste momento para, além de se mudar de ciclo, se possa mudar para melhor a vida de milhões de pessoas. Com os recibos verdes à cabeça.
Foi Cavaco Silva quem escolheu a camisa de forças em que acabou preso. Escolheu marcar eleições na última data possível, escolheu dizer que só daria apoio a uma grande coligação que apoiasse a austeridade, escolheu empossar um governo sem apoio parlamentar, escolheu impor condições que não lhe competiam e tentar redefinir a política portuguesa à sua imagem. Perdeu. Mas o ciclo politico definitivamente virou (embora naturalmente possa reverter-se) e a oposição do Presidente da República foi impotente para manter, também em Portugal, o Partido Popular Europeu no poder. Se em Espanha o PP de Mariano Rajoy não vencer e na Irlanda, como tudo indica, o Sinn Fein ganhar, a política da austeridade, liderada pela direita europeia, terá perdido todos os países que fizeram de principais ensaios de laboratório para a austeridade – Grécia, Portugal, Espanha e Irlanda. Não é de menos.
Com os atentados de Paris e a crise dos refugiados das guerras no Afeganistão e no Médio Oriente, há agora uma nova pulsão para militarizar a Europa, com França, Inglaterra e Alemanha a quererem saltar para dentro de um novo atoleiro à la Iraque. Wolfgang Schauble já não é a voz mais forte da política europeia. As “virtudes” da austeridade provavelmente serão atiradas pela borda fora perante o impulso fóbico e violento das lideranças europeias.
Em Portugal, o programa do novo governo, apesar de ainda preso a muitas contradições orçamentais (nomeadamente cumprir tratados como o Orçamental, queo anterior governo nunca cumpriu e que quase nenhum país europeu cumpre), apresenta oportunidades únicas para mudar de vida para milhões de pessoas. A mudança do ciclo politico tem de materializar-se em legislação concreta e medidas concretas. Além da mais que desejável subida de salário mínimo (de que os patrões têm tanto medo), a concretização de um novo sistema contributivo para quem trabalha a recibos verdes, assim como uma melhoria do sistema de regularização dos falsos recibos verdes é uma oportunidade única para resgatar quase um milhão de portuguesas e portugueses que vivem neste regime de iniquidade e injustiça, expostos à mais elevada taxa de contribuição do sistema de Segurança Social sem quaisquer direitos associados.
Este fim-de-semana, no Porto, a Associação de Combate à Precariedade – Precários Inflexíveis, promove o 3º Fórum Precariedade e Desemprego, onde serão aprofundadas muitas das propostas necessárias para fazer deste novo ciclo uma nova página para milhares de precários: recibos verdes, falsos recibos verdes, estagiários, contratados a prazo, bolseiros, temporários, desempregados. Esta é a altura de carregar no acelerador, pressionar para que os programas eleitorais e o programa de governo se materializem o mais rapidamente possível em letra de lei, para restituir direitos, riqueza e dignidade àqueles e àquelas que passaram a última década a ser empurrados para fora do jogo.