O resultado das eleições legislativas coloca algumas das mais interessantes perguntas feitas não só à sociedade portuguesa em geral mas às próprias estruturas partidárias: que acordos são possíveis? É possível ter um acordo geral contra a austeridade? Contra a precariedade? Em defesa dos serviços públicos? A chave, como toda a gente já percebeu, é o Partido Socialista, que na resposta a estas perguntas definirá muito do que é o seu futuro, com dois cenários principais no horizonte: o PASOK grego ou o Labour britânico.
O voto popular não deu no passado domingo uma maioria absoluta ao governo Passos-Portas e também não deu uma maioria ao PS, colocando o país numa situação a que os principais partidos não estão habituados: o de não terem o poder absoluto. As expressões desesperadas dos comentadores mais conservadores são o sinal mais claro da inauguração de um novo capítulo na política portuguesa: o da possibilidade de um governo de esquerda. As reuniões do PS com o Partido Comunista, o elencar de medidas pelo Bloco de Esquerda para poder viabilizar um acordo e sustentar um governo liderado por António Costa são a materialização desta nova realidade.
O espectro europeu, entretanto, volta às campanhas nacionais, com Merkel, Juncker e Schauble a saudarem a vitória parcial da coligação Passos-Portas e com o presidente do Eurogrupo, Dijsselbloem a exigir que haja um Orçamento de Estado aprovado em Portugal até ao próximo dia 15 de Outubro. Sem pressão, portanto.
O hino à ignorância acerca de que como se forma um governo atravessa as fileiras, com o Presidente da República a tentar criar lei através de mensagens aos partidos, dizendo que a solução de governo implica a assumpção inequívoca dos tratados que mantêm o país na austeridade permanente – o Tratado Orçamental – e o futuro tratado comercial que promete crucificar o que sobra do trabalho e do ambiente – o Tratado Transatlântico TTIP. Embora divertidas, as condições enunciadas por Cavaco Silva estão fora das suas competências. Quem determina a formação do governo serão os 230 parlamentares eleitos que, dentro do Parlamento, viabilizarão ou não um novo governo. Esse acordo não depende de Cavaco.
O PS está numa posição central: a viabilização de um governo de direita promete enfraquecê-lo e transformar qualquer apelo futuro num voto alternativo no PS numa semi-impossibilidade – este é o rumo do PASOK, na Grécia, que hoje tem 5,2% dos votos coligado, quando em 2009 tinha 38,1%; a viabilização de uma solução à esquerda, incluindo ou não o BE e o PCP num governo ou contando apenas com o seu apoio parlamentar, poderia implicar uma viragem à esquerda. No Reino Unido, o Labour, após a derrota eleitoral este ano, elegeu Jeremy Corbyn para a liderança e está a galvanizar o partido britânico como não se assistia há muito. A solução pode ser ainda muito mais táctica e Costa pode estar simplesmente a usar as negociações à esquerda para pressionar a coligação a ceder em vários pontos.
No concreto, interessa destacar o que está a ser debatido no concreto: entre as questões centrais está o trabalho. Será possível um acordo e uma maioria parlamentar para combater a precariedade e o desemprego? As indicações da reunião com o PCP, assim como das reuniões com os Precários Inflexíveis antes das eleições, indicam que pode haver acordos acerca dos falsos recibos verdes, que afectam quase um milhão de pessoas, e acerca de outras vertentes da precariedade e do desemprego, como os contratos a prazo. Sendo esta uma realidade que afecta mais de 50% de toda a população activa, parece-nos ser uma base importante de acordo. Haja ou não governo, que exista uma maioria aparentemente disponível para garantir a defesa de tanta gente é histórico. Que seja um compromisso do PS, o PS de Vitalino Canas, o deputado das Empresas de Trabalho Temporário, e de Vieira da Silva, o ministro das flexibilizações, revela quanto um partido pode potencialmente mudar.