Afogamentos em Portugal: um problema de saúde pública
Face ao cenário que nos foi apresentado em 2017 é necessário reconhecermos que o afogamento é um problema de saúde pública em Portugal.
O afogamento é um problema global de saúde pública frequentemente negligenciado e remetido para segundo plano, tanto na perceção da opinião pública, como quanto a investimentos estatais com vista à criação de programas de prevenção nacionais ou regionais. O investimento na prevenção do afogamento é justificado pela necessidade de se diminuir o número de mortes assim como a incidência de lesões neurológicas e outros estados de morbilidade com impacto significativo para as famílias e estados.
Em Portugal, o ano de 2017 tem sido particularmente negro em matéria de mortes por afogamento. Dados atuais, disponibilizados pela Associação para a Promoção de Segurança Infantil (APSI), apontam para que nos últimos 14 anos tenham ocorrido 228 casos de afogamento com desfecho fatal entre crianças e jovens, além dos 554 internamentos na sequência de um afogamento. Segundo dados do Observatório do Afogamento (Federação Portuguesa de Nadadores Salvadores - FEPONS), entre 1 de Janeiro e 14 de Setembro de 2017 foram contabilizadas 92 mortes por afogamento em Portugal. Destas, cerca de 35 ocorreram fora do período de época balnear, facto que nos deveria deixar alarmados em matéria de prevenção primária. As praias marítimas continuam a ser, segundo a APSI, o local onde se registam menos afogamentos nas crianças e jovens (23,4%) apesar do acréscimo de 5,4 pontos percentuais face ao balanço do ano de 2015.
Os dados referentes às mortes por afogamento em praias marítimas merecem destaque pela sua relevância para a análise dos números apresentados pela FEPONS. A dinâmica de utilização das praias parece estar a alterar-se, conduzindo a uma crescente afluência às zonas costeiras cada vez mais cedo em relação ao período tradicional de abertura da época balnear e durante um maior período de tempo. Não obstante, o período de vigilância por parte dos Nadadores Salvadores Profissionais, seja por condicionamentos relacionados com fatores financeiros, organizacionais ou de recursos humanos, não tem aumentado ou parece não aumentar o suficiente face às necessidades. Este fator associado às alterações enunciadas poderá estar em parte relacionado com o aumento de mortes por afogamento nas praias marítimas fora do período de época balnear (n=29; 46,8%). Outros fatores que possivelmente estarão a contribuir para o aumento de mortes nas praias portuguesas remetem-no, possivelmente, para um défice de cultura de segurança aquática e de responsabilização individual/social entre a população, um aspeto que nos alerta para a necessidade da educação em segurança aquática, com o propósito de aumentar a perceção de risco e o desenvolvimento de conhecimentos, atitudes e competências que confiram um efeito protetivo à população geral.
A International Lifesaving Federation (ILSF) e a Organização Mundial de Saúde (OMS)indicam a prevenção como uma ação chave na diminuição do número de afogamentos assim como dos casos de morte ou lesão permanente, daí resultantes. A prevenção do afogamento exige uma abordagem multidisciplinar através da cooperação entre escolas, associações, autarquias, clubes e instituições com responsabilidade na definição de políticas públicas. Simultaneamente, procura-se que seja uma abordagem multiestratégica com foco na aplicação paralela de diferentes estratégias de prevenção complementares, como é o caso da educação e informação; aplicação de barreiras à utilização de planos de água e legislação; a supervisão de proximidade por parte de um adulto cuidador e a aquisição de competências natatória e de autosalvamento.
A prevenção do afogamento em Portugal tem tomado a forma de ações de sensibilização nas praias como o Surf Salva (ISN/LIDL-Portugal), o Verão Campeão (ISN/Fundação Vodafone), o programa Nadador Salvador Júnior (ISN/FEPONS); nas escolas a “Parede do Afogamento” (Associação Neptune Serenity/ISN) ou de programas de intervenção comunitária desenvolvidos por associações de nadadores salvadores. No entanto, face à urgência determinada pelo aumento do número de afogamentos fatais e não fatais em Portugal, acredita-se que seja válida a constituição de um programa nacional de prevenção do afogamento acessível a todos e, em particular, às crianças e jovens, considerados grupos de risco.
Admitindo-se o corpo de conhecimentos e as políticas públicas já desenvolvidas acerca da prevenção do afogamento, outras estratégias de prevenção faltam ser admitidas em Portugal, numa perspetiva multiestratégica e multidisplinar:
– Desenvolvimento de regulamentação, legislação e fiscalização relativa à segurança das piscinas privadas;
– Melhoria das estratégias de divulgação de informação a nível local e nacional, através dos meios de comunicação social, com foco na sensibilização e promoção da responsabilidade individual e social;
– Promoção e apoio à investigação científica como forma de desenvolvimento de programas preventivos e da inovação dos métodos e equipamentos de salvamento;
– Ensino de competências de autossalvamento e salvamento em clubes e escolas de natação;
– O apoio à formação de professores e treinadores com relação à aquisição de qualificação apropriada em salvamento, segurança e primeiros socorros em meio aquático.
Face ao cenário que nos foi apresentado em 2017 é necessário reconhecermos que o afogamento é um problema de saúde pública em Portugal e que enquanto cidadãos temos o dever de apelar às pessoas, aos municípios, agrupamentos de escola, empresas ou associações que participem ativamente na prevenção do afogamento em Portugal e façam a sua parte “para que outros vivam”.
Na diminuição das mortes por afogamento, todos os portugueses contam!
Assistente Convidada, Faculdade de Motricidade Humana, Universidade de Lisboa; Sociedade Portuguesa de Educação Física