Em Moria, três meses parecem 300 anos

Autoridades gregas retiraram 300 refugiados dos campos de internamento nas ilhas para Atenas, mas há 7000 pessoas num local destinado a 2000. “Saí de uma guerra e cheguei a outra”, diz um deles.

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Refugiados à espera de serem registados em Moria Alkis Konstantinidis/Reuters
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O Inverno de 2016 foi rigoroso, este já começa a ser Stratis Balaskas/EPA

É rara a noite em que a bebé de Samar não acorda em sobressalto. Pode ser uma cobra na tenda, um rato, ou uma luta lá fora, uma pedra lançada com força a cair bem perto. O campo de refugiados pode ser especialmente duro para as mulheres: muitas dormem com fraldas para não terem de ir sozinhas à casa de banho durante a noite. Há quem prefira dormir ao lado do campo de Moria, ou mesmo na praça principal de Mitlini: sentem-se mais seguros.

Uma reportagem da revista Der Spiegel no campo traça um cenário de desolação e desespero: Moria é “a vergonha da Europa”.

Um forte cheiro a urina e lixo faz antever as condições do campo mesmo antes de se entrar. Lá dentro, homens acotovelam-se para chegar à distribuição de comida, muitos só com sandálias nos pés. O chão é uma sopa de lama, pontilhada por centenas de sacos de plástico. Mães mudam fraldas de bebés junto a caixotes do lixo a transbordar. “Moria, grande problema”, avisa um dos refugiados.

O campo foi pensado para ser um local de registo e trânsito para 2000 pessoas e ali estão agora cerca de 7000. Nas cinco ilhas com os centros de registo, os então chamados hotspots (para além de Lesbos, Samos, Quios, Leros ou Kos), há um total de 15.000 refugiados.

As ilhas gregas mais perto da Turquia estão desde 2015 na linha da frente da chamada crise dos refugiados na Europa: com vindas dramáticas de pessoas em barcos apinhados, imagens que foram captadas por câmaras, inúmeros artigos nos jornais.

Um acordo com a Turquia em 2016 fez diminuir o número de chegadas, mas também ditou que as pessoas não seguissem viagem para Atenas. A espera dos refugiados já não é tão documentada, nem divulgada. E se no ano passado a ilha de Lesbos ganhou um prémio pelo modo como acolheu os refugiados, este ano os ânimos estão exaltados e a tensão entre refugiados e habitantes tornou-se diária, conta o Wall Street Journal.

Mais chegadas em Novembro

O número de pessoas a chegar às ilhas voltou a aumentar nos últimos meses, com quase 3000 pessoas em Novembro. Este aumento quer dizer que as decisões sobre os pedidos de asilo demoram ainda mais tempo. O responsável pela equipa que analisa os casos, Marios Kaleas, diz à Spiegel que a maioria das decisões demora três meses. “O problema é só que as condições aqui são tão más que três meses parecem 300 anos.”

Em Moria “as pessoas estão apinhadas como sardinhas em lata, grupos criminosos lutam uns contra os outros, mulheres dormem com fraldas de adultos para não terem de ir sozinhas à casa de banho durante a noite”, conta Rallou Kralli, de um grupo local de apoio a refugiados, ao diário grego Kathimerini. “Não quero sequer pensar no que será ser adolescente, uma rapariga, ou grávida no campo de Moria.”

Samar Elmonazed, uma síria de 20 anos, está há três meses numa tenda no campo de Moria, com a filha de 11 meses. “Cobras, ratos, escorpiões e lutas: é com estas coisas que lido todos os dias”, conta ao Wall Street Journal. Recentemente, Almonazed engravidou, mas sofreu um aborto. Além da perda do bebé, ficou sem a oportunidade para ser incluída num grupo de pessoas vulneráveis, o que significaria poder sair do campo.

O jornal nota que houve um aumento nas gravidezes de refugiadas no campo – a situação é tão desesperada que as pessoas tentam medidas radicais para sair. Também aumentaram automutilações, tentativas de suicídio e suicídios. Um refugiado sírio contou à Al-Jazira como recentemente cortou os pulsos. Pensou que morreria ou seria transferido do campo. Levou uns pontos e foi mandado de volta para Moria. Outro refugiado sírio, na ilha de Quios, pegou fogo à sua roupa em protesto pelas condições no campo, conta o site grego Macropolis. Morreu dias depois.

“Saí para fugir de uma guerra e acabei noutra”, disse à Der Spiegel o sírio Omar Sherki, que vive, como centenas de outros homens, ao lado de Moria. Mostra vídeos de batalhas à noite no campo. Prefere viver ali, sem electricidade e a tomar banho de mangueira, do que enfrentar o perigo da violência.

Uma medida do desespero para sair dali é o preço das viagens pagas pelos refugiados aos traficantes: agora, uma viagem entre Lesbos e a Grécia continental é mais cara do que uma viagem da Turquia para Lesbos: a primeira custa entre 1000 e 1200 euros; a segunda 600 euros.

Do inferno para o céu

Há semanas, depois de uma carta aberta de 20 ONG, o Governo grego levou 2000 pessoas das ilhas de Lesbos e Samos para a Grécia continental. Esta quinta-feira, mais 300 pessoas em situação vulnerável foram levadas de Lesbos para o porto do Pireu, em Atenas. A agência Reuters falou com um dos refugiados à chegada: “Estava no inferno e cheguei ao céu”, disse simplesmente Mohammad Firuz, de 30 anos.

No total, diz o Alto Comissariado da ONU para os Refugiados (ACNUR), 30.000 refugiados terão conseguido, através de redes de tráfico, sair da Grécia desde o encerramento das fronteiras em Março de 2016 (outros 30 mil refugiados estão em campos pelo país, diz a organização).

Mas as restrições estão a apertar cada vez mais: as autoridades alemãs, por exemplo, têm medidas especiais para voos provenientes da Grécia: ninguém escapa, até o líder do partido conservador Nova Democracia, Kyriakos Mitsotakis, contou como foi submetido a um controlo mais demorado ao aterrar na Alemanha. O Governo alemão justifica as medidas pelo maior número de chegadas com passaportes falsos vindas da Grécia: 1000 entre Janeiro e Outubro deste ano.

Mortes por explicar

As tendas do campo de Moria são de Verão, mas na ilha o Inverno é rigoroso. O ano passado morreram seis pessoas, mas a causa da morte nunca foi determinada. Três morreram na mesma tenda: a 24 de Janeiro, o egípcio Ahmad Abdelaziz, 20 anos, quatro dias depois, Mustafa Mustafa, sírio de 46 anos, e no dia seguinte um jovem paquistanês. Os sintomas apontavam para envenenamento por monóxido de carbono, provavelmente por terem tentado aquecer a tenda, com madeira a arder dentro de latas ou outro meio para conseguir um pouco de calor, como queimar lixo.  

Uma investigação do Kathimerini procurou respostas para estas mortes. Normalmente, diz o jornal, em casos de mortes por excesso de monóxido de carbono os resultados demoram entre dois a três meses a chegar. Passaram dez. Organizações não governamentais como a alemã ProAsyl e a Refugee Support Aegean dizem que há falta de vontade política para investigar os casos.

Este Inverno ainda não foram tomadas medidas para a prevenção do tempo frio.

O Governo quer mais alojamento nas ilhas, mas os autarcas recusam a medida.

O presidente da câmara de Samos, Michail Angelopoulos, diz ao Wall Street Journal que o que resulta desta ideia é “uma Guantánamo na Europa”. Não é a primeira vez que a imagem da prisão norte-americana em Cuba, que se tornou sinónimo de vazio legal e maus-tratos aos prisioneiros, é usada para comparação com os campos das ilhas gregas.

Em Quios, as autoridades locais interpuseram uma acção em tribunal contra o Governo central pela intenção deste aumentar a capacidade do campo. O tribunal decretou a suspensão das obras até ao caso ser apreciado – em Janeiro.

“Nada justifica isto”

Em Lesbos, o presidente da câmara, Spyros Galinos, diz à Der Spiegel que não percebe porque é que o Governo não deixa os refugiados seguir para o continente onde há mais possibilidade de acolhimento.

O acordo com a Turquia obriga a que os refugiados esperem pela análise do seu caso na ilha, porque se o pedido for recusado serão enviados de volta e é preciso garantir que se trata da mesma pessoa. Mas Galinos acha (e a ideia é partilhada por muitos outros responsáveis) que o objectivo é desencorajar os refugiados de viajar até às ilhas gregas: “é para dar a ideia que a rota do Egeu não vale a pena”, declara.

“O acordo entre a União Europeia e a Turquia inclui fortes elementos de dissuasão”, disse Gabriel Sakellarides, director da Amnistia Internacional na Grécia, ao Wall Street Journal. “Não há considerações políticas que justifiquem desrespeitar deste modo os direitos humanos.”

A investigadora da Human Rights Watch Eva Cossé diz o mesmo: “Nada pode justificar manter-se estas pessoas encurraladas nestas condições horríveis mais um Inverno.”

“Estamos numa corrida contra o tempo”, diz Jana Frey, responsável pelas operações do International Rescue Committee, à Reuters. “A não ser que as pessoas sejam autorizadas e mover-se, vai haver mais mortes este ano.”

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