Passado e futuro nas rendas da EDP
Parece que é de ontem a notícia de que a ERSE finalmente apurou o valor do que os consumidores pagaram até agora e ainda vão pagar a mais à EDP na factura da luz nos próximos dez anos. Mas a notícia é de muito antes, tem mais de dez anos. Tão atrasada? Não, muito actual.
A saga tem 13 anos. Em diploma de 2004 o Governo criou novas regras contratuais para as centrais da EDP e que ficaram conhecidas por CMEC. No parecer que a entidade reguladora então liderada por Jorge Vasconcelos emitiu, em 2005, avisava que os consumidores iam ser penalizados pela mudança, especialmente os industriais. Falava em pelo menos mais 637 milhões de euros, isto numa altura em que ainda faltavam dados para fazer uma conta mais certa. Nada aconteceu, apesar do aviso. Quer dizer, aconteceu: em 2007 as mesmas alterações foram agravadas para os consumidores.
Desta vez, as coisas parecem diferentes. O muito aguardado estudo pedido à ERSE foi entregue ontem ao Governo, que agora quer mudar as regras mudadas. Recupera os dados do velho estudo e acrescenta outros, propondo que sejam cortadas várias fatias à renda anual que os CMEC permitem.
Faltam ainda dados para o debate. Saber que grupos de consumidores podem/devem ser abrangidos pelas alterações. Falta perceber as contas que a ERSE fez. Sendo a regulação uma área técnica e de alçapões, os reguladores podem tornar o seu trabalho mais acessível ao público e não apenas dirigidas aos interlocutores do costume. Os consumidores não querem ser reguladores nem barras a matemática, mas são parte decisiva de um processo aparentemente gerado no seu interesse.
Não falando em retroactividade, o regulador deixa a porta aberta à negociação do Governo com a EDP, entre os valores certos do passado e as previsões de um futuro incerto.
Há, aliás, um ponto em que a ERSE deixa clara a incerteza com que se regula em Portugal. O regulador especifica no comunicado que teve de requerer à REN uma “cópia funcional e operativa do software” que permite a simulação do valor das barragens, expediente que “permitiu a condução autónoma pela ERSE do processo de simulação” — ou seja, sem ele não o teria conseguido. O que fica à vista: nenhum dos governos envolvidos nas privatizações do sector energético cuidou do destino de uma ferramenta que começou a ser desenvolvida quando todo o sector era do Estado e que deveria ter continuado na sua posse. Hoje é um activo das entidades estrangeiras que dominam hoje a REN.
lurdes.ferreira@publico.pt