"Há poucas séries no mundo, as perfeitas, que dão boa crítica e boas audiências"
A crítica odiou MacGyver, mas foi a estreia mais vista de sempre de uma série no cabo; The Walking Dead, uma dessas "séries perfeitas", foi a mais vista do ano. O director de programas da Fox, hoje o canal de séries mais visto em Portugal, fala sobre a TV do presente e do futuro.
Portugal gosta muito de ver televisão, tanto que, ao contrário do que acontece noutros países, o consumo se “mantém bastante alto” mesmo no Verão, diz Luís Fernambuco, director de programas dos canais Fox há ano e meio. Em plena fase de negociação para a temporada 2017/18, o programador avisa que vêm aí mais reboots, remakes e spin-offs, mais super-heróis mas também novas séries de acção militar nesta indústria que nunca produziu tanto. Aos vários Fox, que tiveram “o melhor ano de sempre do grupo e dos canais em Portugal”, passando à liderança nas séries, para já só confirma que voltarão os Ficheiros Secretos.
Com a grande maioria dos espectadores nos canais generalistas, no futebol e nas novelas, o país também gosta bastante de ligar a box e ver notícias no cabo, filmes no Hollywood, canais infantis e séries – o AXN terminou 2016 como o canal de séries mais visto, uma posição a que já estava habituado, mas a Fox viria a ter em 2017 “a melhor estreia de sempre do cabo em Portugal” com a sua série MacGyver, regojiza-se Fernambuco, terminando o primeiro semestre como “o canal de séries mais visto” na audiência média e no share, segundo dados da GFK.
Vindo da direcção de programas e canais temáticos da TVI e do canal espanhol La Sexta, Fernambuco é o primeiro a admitir que tem uma vida feita de muitos episódios-piloto e só alguns gostos regulares (Segurança Nacional, Shameless, Calma, Larry!) que tenta seguir. E mesmo assim não viu "todos os pilotos do ano passado, é impossível”, admite em entrevista ao PÚBLICO, depois uma estadia – cada vez mais longa – na Califórnia para os Los Angeles Screenings. “É a semana mais divertida do ano”, explica, dias inteiros de novas séries dos grandes estúdios.
“Mas antigamente era uma semana simples, de cinco dias”, compara, e “hoje passamos um mínimo de dez dias em Los Angeles” – nunca houve tanta produção e os seis grandes estúdios ou canais (Fox, Warner, Sony, Universal, Disney e CBS) produzem para os generalistas, para os subsidiários do cabo, para o vídeo on demand e para o mercado internacional de que Portugal faz parte. E que, segundo o programador, “já representa quase 50% do retorno” para os grandes produtores. “Quando se fala em Peak TV é por isso, há tantos clientes a comprarem produto televisivo que chegamos a ter oito horas seguidas de estúdio por dia; e há outros, como a HBO, a Lionsgate, a MGM” que se juntaram aos Screenings e engrossam o calendário.
É de lá que tem vista para a indústria da televisão e escolhe o que traz para os vários canais, da Fox principal ao que tem as tardes a que chamam a “animação amarela” (a Fox Comedy, que passa Os Simpsons), passando pelo Fox Crime (“o canal que temos com o perfil mais adulto, e muito feminino, com grande engagement nas redes sociais”) e pela FoxLife, cuja duradoura Anatomia de Grey foi a terceira mais vista dos canais de séries na última temporada em Portugal. Ou que vê ir para a concorrência, dos AXN (que só colocou, nesta última temporada, Arma Mortífera no top 10 das mais vistas) ao SyFy de A Guerra dos Tronos e ao AMC de Fear the Walking Dead, identifica, para depois rematar: “Mas competimos com toda a gente, porque há tanta oferta que hoje em dia competimos sobretudo pela atenção das pessoas”. Toda a gente é o YouTube, o TVSéries que é pago, o Netflix, a Amazon e até canais como a RTP1 que seguem a tendência mundial das séries e têm produção própria.
Não vêm aí mudanças muito drásticas em relação às temporadas anteriores, mas Luís Fernambuco constata que há menos séries novas para estrear na chamada rentrée de Setembro/Outubro e mais guardadas para a midseason, entre Janeiro e Fevereiro. Há algo novo, sim, nos títulos “de pendor militar”, com vários estúdios e canais a apresentarem “pura acção e tensão militar” como SEAL Team da CBS ou Valor do CW. Como programador, diz, tem "alguma curiosidade para ver como vão funcionar” sem o comic relief que outras séries do género têm e carregando “um risco de serem tão marcadamente masculinas": "Não sei se tem a ver com ir atrás de quem [entre os espectadores] votou Trump”, sorri.
De resto, e tal como em Hollywood, os produtores continuam a “apostar pelo conhecido”, “porque a ficção é toda cara, é preferível ir num caminho com menos riscos”. É a deixa para um ano iminente de reboots como o da comédia Will&Grace, de remakes como o da noveleira Dinastia, de um spin-off como Young Sheldon, prequela de A Teoria do Big Bang (AXN White), ou da sequela de Black-ish, College-ish. E para mais uma enxurrada de Marvel e DC versão TV: Inhuman (ABC), mais Legion (Fox), The Gifted (Fox) ou Black Lightning (CW).
“Quando estamos num ambiente de 400 séries produzidas nos EUA, 120 canais no pacote básico de qualquer um dos operadores [em Portugal], mais serviços de OTT [conteúdos over-the-top, distribuídos pela Internet sem a mediação de um operador], ou conseguimos dar visibilidade ao que temos ou as pessoas perdem-se na multiplicidade de escolhas.” É neste cenário que se opera hoje, em particular num país em que cerca de 80% das casas têm televisão por subscrição e acesso a dezenas de séries, mas sobretudo nos EUA produtores de tanto que se consome. Há “muitíssima fragmentação, há programação quase para cada pessoa”, diz o responsável dos canais Fox, mas também do 24Kitchen e de dois canais National Geographic. É dos poucos da TV por subscrição a ter operação em Portugal, com equipas próprias e não ibéricas ou europeias.
"Já li muitos guiões"
O zapping dos portugueses, ainda assim, é muito disperso. Poucos canais têm mais de 1% de quota de audiências – mas entre eles estão, além dos sempiternos Hollywood e Panda, o AXN e a Fox. As séries são um pilar e, muitas vezes, os programadores parecem confrontados com uma escolha de Sofia entre as que trazem audiências e as que geram conversa do público e a atenção da crítica.
Exemplo: arrasada pela crítica, a recordista MacGyver reuniu 300 mil espectadores na Fox na sua estreia, 7% de share, diz Fernambuco. É mais do dobro da estreia da mais recente temporada de uma das séries mais faladas do momento por críticos e espectadores, A Guerra dos Tronos, e mais do que a sua versão Fox Portugal, The Walking Dead. “É um desafio constante e tentamos ter sempre no nosso portefólio equilíbrio entre ambas, séries que vejo que vão ser um êxito de audiências e outras que vou ter maior dificuldade de apresentar ao público”, diz Fernambuco, evocando logo os zombies que até trouxe em digressão a Lisboa em Março. “E depois há algumas, as perfeitas, que são as que dão boa crítica e audiência simultaneamente – The Walking Dead. Mas há poucas destas no mundo."
Nestas grelhas Fox não há conteúdos portugueses. Houve uma tímida investida na produção nacional com uma colecção de sketches da Fox Comedy, mas nada desde então. “A filosofia não é essa, o que não significa que não seja o nosso desejo”, responde Luís Fernambuco quando questionado sobre se a produção original portuguesa não é um caminho numa altura em que os seus oito canais têm “cinco pontos de share” no seu conjunto. “Estou na Fox há ano e meio e já li muitos guiões”, diz, mas “a nossa principal função, e porque temos players como a RTP, SIC e TVI que produzem muitas horas de forma muito positiva, é sobretudo trazer as séries que acreditamos serem o melhor que se produz nos EUA e sermos alternativos à produção nacional", explica. "Mas gostaríamos de produzir, sim”, admite, embora o orçamento desses eventuais conteúdos próprios dificilmente pudesse estar à altura do resto da grelha, “que são produções de vários milhões de dólares por episódio”.
Fala de “construir marca”, de como a “cada ano é tudo um bocadinho mais caro e a única inflexão contrária [no preço das séries] foi durante a crise”, da importância de encurtar o prazo entre a estreia nos Estados Unidos e a estreia em Portugal em alguns casos, de “fracassos” como ver Doubt ou Conviction cancelados à primeira época e de como “hoje Portugal tem bastante peso na operação da Fox na Europa: "Estamos no top 3”, nota, tanto pela força da TV por subscrição, quanto pelo número de canais que tem no país. E Luís Fernambuco inclui neste sucesso, sorridente, as séries que podem ser consumidas como um snack, em episódios soltos e em qualquer horário: “Adoro todos os procedurals, o NCIS, o Hawai – Força Especial e os resultados que eles dão.”