Reabrir os X-Files é voltar a querer acreditar?
Título de culto dos anos 1990 regressa esta terça-feira com episódio duplo. Conspirações, aliens, monstros, Mulder e Scully – e uma marca reconhecível na Fox.
“E se tudo aquilo em que fomos levados a acreditar é uma mentira?” Não há pergunta mais X-Files do que esta, e é ela que guia o primeiro episódio da minisérie que esta terça-feira começa no canal Fox às 22h15. Isto é Fox Mulder a falar com Dana Scully, dois pares de conhecidos sobrolhos franzidos mas numa nova era de teorias da conspiração, cheia de links e hacks, e também numa nova era da televisão. Ainda vale a pena querer acreditar?
Houve um tempo em que em muitas paredes imperava um símbolo de pertença a um imaginário colectivo. Um disco difuso pairava sobre uma verdejante e esperançosa frase – I Want to Believe. Anos mais tarde, esse poster daria lugar ao sabonete de Fight Club, ou à Uma Thurman de franja negra e cigarro na mão tal como vista em Pulp Fiction, ou a qualquer outro símbolo do audiovisual dito de culto que saltitava entre as massas e os nichos. Ficheiros Secretos foi, literalmente, um OVNI que aterrou na televisão mundial em 1993 e que, pode argumentar-se, abriu portas para séries como Perdidos, Fringe, The Walking Dead, True Blood, Buffy, Caçadora de Vampiros ou American Horror Story, da mesma maneira que Ficheiros Secretos dificilmente teria acontecido sem Twin Peaks ou o ainda mais velhinho Twilight Zone. Uma série perfeita para a Geração X na sua atmosfera niilista dos 90s, e imperfeita em outros tantos episódios falhados – afinal, foram 202 ao longo de nove temporadas (1993-2002) e até um dos seus protagonistas (David Duchovny, ou Fox Mulder) precisou de dar um tempo à série, ausentando-se em grande parte das duas temporadas finais.
Ficheiros Secretos era um misto de crime procedural – um caso por semana para os dois agentes do FBI, com um arco narrativo mais alargado ao longo das temporadas (modelo que, aliás, ajudou a implementar na ficção televisiva), sobre a existência de extra-terrestres e o seu encobrimento pelas autoridades – e de série de fantástico – personagens misteriosas, criaturas e fenómenos que iam da ficção científica ao horror. Dividia-se entre os episódios do arco da “mitologia” e os chamados episódios “monster of the week”, com Dana Scully (Gillian Anderson) como céptica de serviço e Mulder como o crédulo de mente aberta, mas desconfiado das versões das autoridades. O sobrenatural dava-lhe o toque final: cresceu devagar, explodiu e perto do final quase implodiu.
Dois filmes esquecíveis depois, reabrem-se os Ficheiros Secretos – o título da nova série é The X-Files – e a equipa está de volta a uma espécie de casa da partida. Seis novos episódios, dois dos quais são exibidos esta terça-feira (um dia após a emissão nos EUA) que são, para o criador de X Files, Chris Carter, “uma oportunidade de cumprir uma promessa: "Voltamos para fazer material realmente novo, original, não uma volta de vitória – esta é uma oportunidade de provar que a série ainda tem mais vida."
O New York Times escrevia em 2002, quando a série se arrastava até ao final, com audiências e qualidade a decrescer, que esta foi “a série definidora dos nineties”. E lá ficou, perdida nesse tempo, até que as necessidades da dura concorrência no actual habitat “televisivo” fizeram com que a marca X Files voltasse para uma “série-acontecimento” – versões curtas de títulos outrora emblemáticos de canais de sinal aberto, que garantem parte do seu público original. Uma fórmula que já foi aplicada a Heroes (com resultados pouco edificantes) e que será o futuro de Prison Break. Chega agora, como a descreve David Duchovny, “uma caixa bento de X Files”.
“Não é o mesmo que simplesmente fazer outro filme”, completava Gillian Anderson este domingo no New York Times, “porque a relação das pessoas com a televisão é diferente. Há nela uma tal positividade. E uma pureza”, acredita, descrevendo a oferta de mais episódios a um grupo de fãs que remonta aos anos 1990 e que vai até aos que nasceram depois dessa década como “um segundo Natal”.
De Obama ao Uber
Houve na nova minisérie a preocupação de “homenagear a mitologia”, explicou Duchovny há dias nos encontros da Associação de Críticos de Televisão (ACT), “bem como de introduzir o novo twist que Chris criou para a série": "Temos de honrar os fãs e de apresentá-la a pessoas que nada sabem."
Na sua primeira vida, Ficheiros Secretos espelhava tanto a desconfiança em relação ao governo e a paranóia da aproximação do fim do milénio quanto a fome de acreditar. Agora, há uma espécie de truther de direita com estética Fox News (Joel McHale) que faz de arauto de teorias da conspiração sobre a vida extraterrestre e, de Obama ao Uber, a série quer (desesperadamente) ancorar-se na actualidade com a ajuda de referências pontuais. “Vivemos num tempo em que há uma tremenda desconfiança em relação à autoridade, ao governo, mesmo aos média”, explicou Chris Carter aos jornalistas há dias na ACT, admitindo que foi picar ideias aos sites de conspiração, ideias que o assustaram ao ponto de embeber a nova série – “É uma altura interessante para fazer brilhar luzes na escuridão."
Só o primeiro episódio foi mostrado à imprensa (um par de publicações dos EUA viu três) e a minisérie está a ser recebida com cautelas – os fãs terão gostado na estreia de Outubro, na Comic Con de Nova Iorque, mas a segunda vaga de exibição do episódio-piloto não foi tão bem recebida. A certa altura, no primeiro episódio, a personagem de McHale, Tad O'Malley, diz a Mulder – “Tal como você, sou um verdadeiro crente”, ao que o agente, mais velho e mais anestesiado, lhe responde – “Não, eu só quero acreditar."
Vale a pena, portanto, embarcar na nostalgia? Catorze anos depois do último episódio e quase 23 anos passados sobre o início do fenómeno? Tudo indica que a equipa reunida por Carter para reabrir este caso é um dos bons motivos para esperar. Esta foi a série que deu o primeiro trabalho digno de nota de Vince Gilligan, que anos mais tarde faria o aclamado Breaking Bad, e em que trabalharam os Alex Gansa e Howard Gordon de 24 e Segurança Nacional. E que tem episódios clássicos como Tooms (primeira temporada), realizado por um jovem David Nutter, agora em Guerra dos Tronos, ou Home (quarta temporada), de James Wong e Glen Morgan. Ora Wong e Morgan estão de volta, bem como Darin Morgan, o autor de outro episódio sempre referido, Jose Chung’s from Outer Space. Alguns dos mais criativos argumentistas de Ficheiros Secretos regressam para escrever e realizar o terceiro, quarto e quinto episódios da minisérie, que serão da safra “monster of the week”.
O ponto alto das audiências de Ficheiros Secretos foi na quinta temporada, em 1997 – foi exibida em Portugal na TVI e está actualmente na RTP Memória – e talvez tenha coincidido com o ponto alto da sua vitalidade criativa. [O resto deste parágrafo contém spoilers sobre o final da série original] A série foi frustrando alguns fãs à medida que se aproximava do final e se desenhava o Syndicate, o grupo de agentes do governo que sabia que uma espécie alienígena infectava a espécie humana com um vírus que a escravizaria. Scully tinha cancro e curava-se, Scully engravidava sem saber como, Mulder estava ausente, novos agentes ganhavam espaço na lógica da sucessão da dupla fundadora, havia um novo Syndicate, o Homem do Cigarro era pulverizado numa explosão... Agora, tudo pode mudar.
“Acabámos na altura certa”, disse Carter em 2008 quando apresentava o segundo filme da saga (o primeiro é de 1998), “as coisas tinham mudado depois do 11 de Setembro”. Entrava em cena 24, Os Sopranos tornar-se-iam uma das mais aclamadas séries de sempre, Sete Palmos de Terra mostrava novas abordagens às histórias e os canais não-generalistas ganhavam espaço nas referências dos espectadores.
Chris Carter, que realiza e assina o primeiro episódio, tinha planos para um terceiro filme. Que ficou na gaveta e deu origem, enquanto semente da vontade de regressar aos casos inexplicáveis do FBI, à minisérie, para a qual o primeiro empurrão foi dado por Duchovny. A encomenda inicial previa mais episódios, mas as agendas e vontades de Duchovny e Anderson (ela que trabalha profusamente com a BBC, ele saído de Californication e a trabalhar na série Aquarius) ditaram que fossem só seis. A Fox americana, mesmo antes da estreia e das audiências, já disse que está “absolutamente” interessada em mais episódios com os sex symbols sci-fi da era Netscape.