Sobre a noite passada: A Guerra dos Tronos bate todos os recordes e faz planos para o futuro
Episódio mais visto de sempre da série e do seu canal, também em Portugal, não trouxe alarmes nem grandes surpresas. Mas desenhou o mapa das guerras vindouras.
“Shall we begin?” Os espectadores do episódio número 61 de A Guerra dos Tronos confirmaram a expectativa que rodeava a estreia da sétima temporada com números - melhor estreia de sempre da série nos EUA e em Portugal, melhor estreia de sempre de uma série na HBO, episódio mais comentado de sempre da série no Twitter. O episódio, por seu turno, não cedeu à tentação de dar aos mais de 16 milhões de espectadores americanos e outros tantos pelo mundo um episódio de emoções proporcionais à antecipação dos fãs - ocupou o seu tempo sobretudo a pôr a mesa para o banquete de acção, encontros e conflitos que se avizinha.
Uma das protagonistas da série criada por George R.R. Martin para os argumentistas e produtores D.B. Weiss e David Benioff levaram à televisão, Daenerys Targaryen, encerra o episódio fechando um curto ciclo e abrindo as portas da sua nova casa com o símbolo deste primeiro capítulo de 2017 - um mapa. Tal como a sua congénere real Cersei Lannister, estuda a geografia do reino ficcional e situa os inimigos nesta hora de televisão carregada de exposição. “Shall we begin?”, diz na última fala do capítulo, pergunta retórica sobre um processo revolucionário que está já em curso.
Este texto contém spoilers sobre o episódio Dragonstone
Onde está Arya Stark, filha e homicida pródiga que enceta o episódio com uma apropriada “cold open” - quando um programa começa com uma cena antes do seu genérico - que termina com o aviso de que “o Inverno chegou para a Casa Frey”. Onde estão os irmãos Lannister, a planear a sua defesa e aliança possível com o sarcástico Euron Greyjoy. Onde estão O Cão e a Irmandade Sem Estandartes, a ler nas chamas na casa por onde Sandor Clegane passara na quarta temporada. Onde estão os irmãos Stark, Jon e Sansa, em Winterfell a debater o que é política, o que é moral e o que é guerra. Onde está o vidente Bran Stark, a chegar à Muralha com uma visão temível do avançar do Rei da Noite (agora com gigantes). Onde está Samwell Tarly e os seus livros clandestinos sobre o combate aos zombies gelados - e Jorah Mormont, a caminho de se tornar um homem de pedra. Os espectadores ficaram a saber tudo isto em Dragonstone, sem grandes alarmes nem surpresas.
E onde está o músico Ed Sheeran, favorito da actriz Maisie Williams (Arya) e o mais recente músico a dar melodia às canções escritas por Martin para As Crónicas de Gelo e Fogo? Numa roda de soldados Lannister, com escassas falas e um sorriso plástico no rosto, a perfazer 7% dos 2,4 milhões de comentários no Twitter sobre A Guerra dos Tronos na noite de domingo de estreia nos EUA.
São então perguntas com resposta nesta hora televisiva que em Portugal foi rodeada de uma quantidade sem precedentes de patrocínios e publicidade no SyFy português e que agregou 16,1 milhões de espectadores nos EUA, entre 10 milhões frente ao televisor e o restante do DVR e das plataformas digitais da HBO - que dada a procura, a certa altura vieram abaixo. É, como cita a Variety, um aumento de 50% em relação a The Red Woman, a estreia da sexta temporada, um exemplo de como a popularidade de A Guerra dos Tronos, ao contrário de outras séries de grande sucesso, continua a aumentar.
Em Portugal, o SyFy surgiu na segunda-feira no top dos 15 canais mais vistos, com um share 1,4%, segundo os dados da CAEM - a média anual é de 0,2% - e durante o dia teve uma média de 25 mil espectadores. Segundo informou o SyFy na terça-feira à tarde, “foi o episódio com maior audiência na história do canal, com 11% de share de audiência nos canais por cabo”. Na última semana, o canal fez uma maratona de todas as temporadas anteriores, o que fez crescer a sua audiência, bem como algumas sessões especiais em salas de cinema na segunda-feira para a estreia do novo episódio. Ainda assim, os programas mais vistos de segunda à noite, de longe, foram dos canais generalistas, com centenas de milhares de espectadores.
Sem grandes batalhas - a tradição coloca-as no penúltimo episódio de cada temporada - nem revelações explosivas (mas com algumas mortes, chamas faladoras e braços escamados), Dragonstone não fugiu à tradição - “é montado como quase todos os episódios anteriores: 10 minutos aqui, 10 minutos ali, personagens a viajar do ponto A para o ponto B, sabendo de farripas de informação e construindo alianças”, enuncia Alan Sepinwall no site Uproxx. Os habituais “pequenos movimentos no início de cada temporada que estabelecem grandes movimentos no final”.
Faltam apenas seis capítulos este ano, e outros seis em 2018 ou 2019, e actores e autores prometeram que o ritmo vai intensificar-se nesta temporada. Ainda assim, houve tempo para fezes e sopa e piadas sobre coques e calvície. Dragonstone, realizado por Jeremy Podeswa, convidou ainda o reputado actor britânico Jim Broadbent para estripar um idoso e proferir uma das frases fortes do capítulo: “Somos a memória do mundo - sem nós, os homens seriam pouco mais do que cães”, disse sobre os sábios na Cidadela. Ainda no campo dos pequenos mamíferos ferozes, a lupina Arya Stark ofereceu outra tirada, ainda proferida quando habitava o corpo de David Bradley (a mudança de rostos é uma arma em A Guerra dos Tronos) - “Deixem um lobo vivo e as ovelhas nunca estão seguras”.
Mas além da exposição e disposição de peças no tabuleiro de xadrez, Dragonstone veio com novas variações de temas de A Guerra dos Tronos, defendem os críticos que, nas últimas 24 horas, têm feito uma avaliação sobretudo positiva deste episódio da maior série da actualidade. Com o protagonismo de personagens como Cersei, Daenerys, Sansa e Arya, “a televisão está feminizar de forma notável o género de batalhas e monstros”, escreve Mark Lawson no Guardian. “O que faz sentido. Como argumentou Jon Snow, anunciando que agora as mulheres também se tornarão guerreiras: ‘Não podemos defender o Norte se só metade da população lutar’.”
Por outro lado, e no mesmo salão da Winterfell dos Stark, mas também no percurso da irmã mais nova Arya e de outras crianças torpedeadas pela luta pelo poder em Westeros, neste capítulo, defende Spencer Kornhaber na Atlantic, “vemos a mais forte manifestação do interesse de George R.R. Martin em como a inocência não é o estatuto sagrado que quereríamos que fosse”, porque na realidade e na ficção, “as guerras vindouras têm de ser combatidas por uma geração tornada orfã pelas guerras que vieram antes”. Como, talvez, a série tenha vindo a ganhar desde que se afastou do que veio antes dela. “A mudança de adaptação para invenção aprofundou a série”, postula Matt Zoller Seitz no Vulture.
Desde há um ano que a série televisiva se tornou na sua própria narrativa, distanciando-se de livros que já não existem para a ancorar - “nessa altura, a série pareceu perder o peso amargo que a arrastava”, elogia Zoller Seitz, que prevê que “o que Benioff e Weiss puseram no ecrã desde que ficaram sem livros indica que não nos vão dizer o que achamos que queremos ouvir” no fim. Para já, e até lá, fica a pairar uma resposta afiada de uma mulher vitimizada e agora reforçada a um dos intriguistas mor da série, que se preparava para rematar também a sua história: “Não precisa de ter a última palavra, Lorde Baelish. Vou presumir que era algo inteligente”.
Notícia corrigida às 11h57 - por lapso os nomes de duas personagens, Sam Tarly e Sandor Clegane, encontravam-se truncados e corrigiu-se o nome traduzido da Irmandade sem Estandartes