Theresa May apostou tudo – uma vitória curta não lhe serve
É nos círculos trabalhistas que votaram a favor do “Brexit” que o resultado das legislativas se joga. Corbyn mobilizou os militantes com uma campanha sem falhas, mas será o suficiente para travar ofensiva dos conservadores?
Um ano depois, o Reino Unido regressa a um lugar que conhece – uma votação que se anunciava tranquila virada do avesso, a posição de um primeiro-ministro posta em causa, a Europa ansiosa com um resultado imprevisível que terá consequências fora das fronteiras britânicas. Theresa May jogou todos os trunfos ao antecipar as legislativas, confiante que o “Brexit” e a promessa de uma “liderança forte e estável” seriam suficientes para conseguir a maioria no Parlamento que precisa para negociar com a União Europeia na sua máxima força. A campanha não lhe correu bem – cometeu erros, os trabalhistas foram mais combativos do que ela esperava e dois ataques terroristas ensombraram o país – mas quase todos acreditam que regressará sexta-feira a Downing Street. Uma vitória curta terá, no entanto, sabor a derrota.
“Eles queriam fazer destas legislativas uma repetição do ‘Brexit’. Acharam que os eleitores podiam ser manipulados dessa forma, mas estavam errados”, diz ao PÚBLICO o até agora deputado e candidato trabalhista Jon Cruddas, em campanha à porta da estação de Dagenham, no extremo oriental de Londres que foi uma das poucas áreas da capital britânica que votou a favor da saída da União Europeia no referendo de 2016. Uma antiga zona operária que é agora uma das mais deprimidas de Londres e onde os eurocépticos do UKIP conseguiram nas últimas legislativas mais de 12 mil votos, ficando em segundo lugar.
É em círculos como este – bastiões do Labour que apoiaram o “Brexit” – que o partido da primeira-ministra aposta ao máximo nesta campanha. Está convicto de que a mão dura prometida pela primeira-ministra para as negociações com a UE é suficiente para cativar os eleitores, agora que o UKIP está em declínio acelerado.
São mais de 50 deputados trabalhistas cujos lugares estão em risco, sobretudo no Norte de Inglaterra e nas Midlands (Centro), territórios que May visitou repetidamente durante a campanha, insistindo que só ela tem um plano credível para a saída da UE. “Quero garantir que os quatro cantos do Reino Unido beneficiam das oportunidades que o ‘Brexit’ trará – mais emprego, mais casas, melhores estradas e caminhos-de-ferro”, repetiu ao longo do último dia de campanha, insistindo também que as leis de direitos humanos não podem travar a luta contra o terrorismo.
Este é um campo de batalha difícil para o Labour de Jeremy Corbyn, que tendo apoiado a permanência na UE deu a May os poderes para accionar o artigo 50, mas recusa o hard Brexit que agrada a muitos dos seus eleitores. Ironicamente, acabaria por ser ajudado pela própria primeira-ministra, com um fiasco que lhe custou a folgada vantagem nas sondagens – a já famosa proposta para aumentar as contribuições a pagar pelos idosos que recebem apoio domiciliário, podendo as suas casas ser vendidas após a morte.
“Nunca vi um partido cometer uma asneira desta dimensão”, espanta-se Cruddas, que foi um dos autores do programa eleitoral dos trabalhistas em 2015, dizendo que May fragilizou ainda mais a sua posição ao recusar comparecer no debate com os outros líderes partidários. “Ela apresentava-se como uma líder forte e estável, mas mostrou que é o contrário”, acusa o candidato, dizendo que os trabalhistas estão numa posição “muito melhor agora do que há seis semanas”, quando as eleições foram convocadas.
A duas ruas dali, Oliver Rowlinson, anda a entregar mais um saco de panfletos em nome da candidata conservadora no círculo. Sem meias palavras, admite que “muitos eleitores ficaram descontentes” com os planos do partido para os apoios sociais e diz que foi um erro May ter faltado aos debates. “Sobretudo quando foi ela a centrar a campanha em si própria e na sua liderança”, sublinha, apontando para o autocolante que traz o peito com as palavras “Theresa May pelo Reino Unido”. Acredita, ainda assim, que os britânicos vão acabar por votar, como sempre fizeram, com a carteira. “Quem é que quer cinco anos de Corbyn e de um partido que tem um programa completamente contra as empresas?”
O bastião de Corbyn
Se o Reino Unido fosse Islington Norte, a vitória do líder trabalhista nestas eleições seria esmagadora. Este círculo do Norte de Londres, multiétnico e liberal, é representado desde 1983 por Corbyn, que vive numa rua de pequenas casas geminadas, só denunciada pelo número sem precedentes de cartazes a apoiar os trabalhistas – janela sim, janela também. Aaron, interrompido a meio das compras na mercearia vizinha, diz que não se espanta com a subida de popularidade do líder trabalhista. “Ele é honesto, representa verdadeiramente as pessoas”, diz, explicando que Corbyn intercedeu junto das autoridades locais para que a avó dele e um irmão conseguissem casa. “A imprensa é que está sempre a caluniá-lo”, porque prefere “políticos mais obscuros e manipuláveis”, acrescenta.
Mesmo os adversários reconhecem que o veterano socialista, que ainda em Abril gozava de baixíssimas taxas de aprovação, conduziu uma campanha quase sem falhas. E, mais do que isso, percebeu que os britânicos não estão só preocupados com o “Brexit”, mas também com os cortes na saúde e no orçamento das escolas, com a escassez de habitação. O programa do partido – um livro vermelho que Corbyn empunha em todas as manifestações – prevê renacionalizações e também “um aumento sem precedentes da despesa pública”, concluiu o Instituto de Estudos Fiscais britânico. Mas aquilo que gera dúvida aos economistas, revelou-se popular.
“As pessoas não se importam de pagar mais impostos, querem é ver melhorias naquilo que lhes diz directamente respeito, as escolas e os hospitais”, diz ao PÚBLICO Angela Constantinou, activista do Labour de autocolante na lapela e boina vermelha na cabeça, mostrando-se “contente” por o partido estar finalmente unido e mobilizado. “Desde que as eleições foram convocada 200 mil jovens registaram-se para votar”, diz o amigo Leo Williams , deixando um recado aos que, dentro e fora do partido, repetiram que o líder trabalhista era inelegível: “Se nos EUA as pessoas tivessem apoiado desde o início Bernie Sanders, o Trump não tinha vencido”.
Onde o jogo se decide
Os comícios do líder trabalhista arrastam pequenas multidões, mas a dúvida é se o entusiasmo será suficiente para garantir a vitória do partido nos círculos visados pelos conservadores. Laura Kuenssberg, editora de Política da BBC, notava que dos 63 círculos que Theresa May visitou desde o início da campanha 41 estão nas mãos do Labour, ao passo que Corbyn visitou sobretudo os seus bastiões.
E o Financial Times escrevia na sua última edição que os candidatos trabalhistas nas cidades que votaram a favor da saída da UE estão muito pouco optimistas. “No terreno, a nossa sensação é que os conservadores levam vantagem”, confidenciou uma fonte trabalhista ao jornal, dizendo que a mensagem de Theresa May sobre o “Brexit” encontra eco junto dos eleitores. “Nas áreas tradicionais do Labour há hostilidade, nalgumas até revolta”, revelou um candidato que falou sob anonimato, dizendo que estes eleitores “estão zangados porque pela primeira vez na vida sentem que não podem votar no seu partido, porque ele deixou de representar a classe trabalhadora”. Corbyn tem também contra si o colapso do voto trabalhista na Escócia – onde o partido elegeu em 2015 apenas um deputado e onde, encurralado entre os tories e os nacionalistas do SNP, mantém ambições modestas.
“Comparado com as expectativas que May tinha quando convocou as eleições, o resultado deverá desapontar relativamente os conservadores”, disse na BBC John Curtice, especialista em comportamento eleitoral que irá coordenar as projecções que serão divulgadas pelas televisões após o encerramento das urnas. “Uma maioria de 60 a 70 deputados “saberá a pouco” – “mas se for menos que isso as culpas vão recair sobre ela”.