Nas escolas, o melhor é começar pelo princípio
Na caótica organização dos anos escolares, os serviços do ministério ignoram o que está definido, permitindo 31 e 32 cadeiras numa só turma. Era por aí que o Governo devia começar.
*N-A discussão é sensível porque diz muito a todos quantos trabalham nas escolas — ou a quem, como eu, tem os filhos nas escolas. É possível ensinar bem as crianças com turmas de 30 alunos?
Percepcionando uma resposta, o Bloco, PCP e Verdes introduziram há mais de um ano o tema na agenda do Governo de António Costa. Fizeram-se estudos, ouviram-se pessoas. E ano e meio depois, o ministro apareceu com a proposta que ontem lhe demos a conhecer: vai baixar o limite de alunos, sim, mas aplicando-o para já aos agrupamentos mais pobres.
Em Setembro, serão assim 1000 as escolas beneficiadas por uma redução de dois alunos. Muito? Pouco, tendo em conta o que sabemos. Porque a medida só se aplicará nos primeiros anos de cada ciclo. Mas, sobretudo, porque na esmagadora maioria das escolas o limite de alunos por turma está hoje longe de ser atingido. Duvida? Eis o que nos dizem os números: hoje, a maior parte das turmas tem entre 20 a 26 alunos (1.º ciclo) ou até 28 alunos (2.º e 3.º ciclos). Sempre abaixo dos respectivos tectos, Portugal nem compara mal com a média europeia. Daí a conclusão, que a esquerda logo tirou: a intenção é boa, mas não terá impacto no terreno.
Porém, se formos aos detalhes das estatísticas, encontramos um problema maior: o das turmas que ultrapassam o limite de alunos oficialmente definido. São cerca de 20% das turmas no ensino básico, um número muito ligeiramente superior ao que acontece no 2.º e no 3.º ciclos. O que isto quer dizer é simples: na caótica organização dos anos escolares, os serviços do ministério ignoram o que está definido, permitindo 31 e 32 cadeiras numa só turma quando o número de alunos numa área geográfica não encaixa nesses patamares definidos.
A situação mais preocupante é o das turmas de alunos com necessidades educativas especiais. Não é que os casos sejam muitos, mas eles existem — e é nestes casos que o Estado tem o especial dever de evitar uma sobrelotação das aulas.
Chegados aqui, retemos a ideia e deixamos uma sugestão: percebe-se a intenção do ministério — e assinala-se o realismo com que encarou esta pressão (olhando para os custos de uma redução significativa e para os resultados dos alunos portugueses nos últimos anos, percebe-se que o óptimo seja, neste caso também, inimigo do bom). Mas sabendo que o caminho desejável é o contrário, talvez fosse bom começar pelo princípio, no próximo mês de Setembro: evitar os desvios à lei, antes de lhe abrir excepções. E, já agora, tratar de compor devidamente a rede escolar do pré-primário, que é onde tudo começa.
* N.D. Ao contrário do que se dizia por lapso no texto, são 1000 escolas abrangidas pela nova medida e não 1000 agrupamentos. O texto foi, claro, alterado.