EUA ameaçam "acção unilateral" na Síria, e isso quer dizer o quê?

Sintomas das vítimas do ataque apontam para o uso de um agente do tipo de gás sarin. É o pior ataque do género desde 2013.

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Uma criança morta no ataque químico de terça-feira Ammar Abdullah/REUTERS

A embaixadora dos Estados Unidos na ONU, Nikki Haley, deixou um aviso na sessão de emergência no Conselho de Segurança sobre a Síria, convocada após um brutal ataque químico na terça-feira: “Quando a ONU falha consistentemente no seu dever de agir de modo colectivo, há alturas na vida dos Estados em que somos levados a tomar a nossa própria acção”. 

Quando aumentavam as questões sobre o que queria Haley dizer, o próprio Presidente, Donald Trump, foi questionado sobre se o ataque na província de Idlib era o ultrapassar de algum limite, ao que Trump respondeu: “Passou muitos limites para mim”.   

É uma mudança de retórica, porque ainda na semana passada Haley dizia que a prioridade dos EUA “já não era conseguir o afastamento de Assad”. Esta quarta-feira, falou de um "governo ilegítimo, liderado por um homem sem consciência". Se será acompanhada de uma mudança de política? "Vocês vão ver", respondeu Trump aos jornalistas.

O secretário-geral da ONU, António Guterres, declarou que “estão a ser cometidos crimes de guerra na Síria” e pediu “uma investigação muito clara para afastar todas as dúvidas”.

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Nikki Haley, a embaixadora dos EUA na ONU, com fotos do ataque químico Shannon Stapleton/REUTERS

Uma resolução nesse sentido, apresentada pelo Reino Unido, França e Estados Unidos ao Conselho de Segurança, pedia ao Governo sírio que fornecesse a investigadores internacionais os planos de voo e nomes dos comandantes responsáveis pelas operações aéreas, incluindo de terça-feira.

Mas parecia destinada a receber um veto russo - Moscovo declarou que o texto da resolução era “inaceitável” porque “apontava um culpado à partida”. Seria o oitavo veto russo a uma resolução penalizadora para o seu aliado Assad.

A Rússia reconhece que foi o regime sírio a levar a cabo o ataque aéreo numa zona controlada por uma aliança de vários grupos rebeldes (e que não inclui o Daesh). Mas diz que este atingiu um armazém de forças rebeldes que tinha agentes químicos.

Peritos em armas químicas dizem, no entanto, que não é assim que o tipo de agentes que parece ter sido usado no ataque seria libertado. Ouvido pela BBC, o especialista Hamish de Bretton-Gordon diz que não há sustentação para a ideia de que um gás como de nervos como o sarin se libertasse para a atmosfera após um bombardeamento a um local de fabrico ou armazenamento: “Pelo contrário, ao bombardear sarin, este seria destruído.”

Ecos de 2013

Donald Trump culpou o seu antecessor, Barack Obama, por não ter agido quando impôs uma “linha vermelha” ao regime de Assad sobre ataques com armas químicas.

Na altura, Assad aceitou um acordo para que o seu governo destruísse os arsenais químicos que garantia não ter e não usar – um acordo que segundo o grupo que o supervisionou, a Organização para a Proibição de Armas Químicas, foi marcado por atrasos e declarações contraditórias de Damasco, que  deixavam dúvidas quanto ao seu cumprimento (segundo um relatório interno da organização citado pelo New YorkTimes). A organização diz que o regime usou entretanto gás de cloro três vezes em 2014 e 2015 (e acusou o Daesh de um ataque com gás mostarda). 

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Quem prestou os primeiros socorros precisou também de assistência de emergência Ammar Abdullah/REUTERS

Este ataque é o pior desde esse ataque nos arredores de Damasco, o ataque que vitimou mais de 1400 pessoas, muitas delas crianças – e que ficou marcado por imagens de pequenos cadáveres alinhados, embrulhados em lençóis brancos. 

Um dia depois ainda não era claro o número de mortos, porque as vítimas procuraram ajuda em locais muito diferentes: vários hospitais da zona foram alvo de bombardeamentos – um deles, poucas horas depois do ataque químico, levando assim a que as vítimas se espalhassem por vários locais, nota a organização não-governamental britânica Save the Children. Algumas foram assistidas na vizinha Turquia. “Ouvimos falar em números de 58 a 100 mortes”, disse Sonia Kush, responsável da ONG na Síria. Pelo menos onze eram crianças.

O Presidente turco, Recep Tayyip Erdogan, disse que terão morrido até cem pessoas.

Testemunhos de médicos e habitantes da localidade de Khan Sheikhoun dizem que o ataque foi diferente dos que usam gás de cloro, em que morrem apenas as pessoas no local directamente atingido, por regra, encurraladas num espaço fechado, porque o gás se dissipa com rapidez.

No ataque de terça-feira, houve pessoas a cair no chão no exterior, em grande número. Tinham pupilas "do tamanho de alfinetes", falta de reacção, e espuma na boca. Socorristas ficaram doentes apenas por contacto com vítimas. 

“Os sintomas são consistentes com exposição a um agente neurotóxico como gás sarin”, disseram os Médicos Sem Fronteiras. A Organização Mundial de Saúde fez a mesma avaliação, apontando ainda o facto de as vítimas não terem ferimentos externos e apresentarem um quadro de problemas respiratórios agudos, e a asfixia como causa de morte.

A brutalidade do ataque, que tudo indica ter sido levado a cabo pelo regime – e o facto de ter acontecido precisamente quando se reúne uma conferência de nações doadoras em Bruxelas – aponta para uma posição cada vez mais confiante de Bashar al-Assad, que apesar de não conseguir vencer a guerra, conseguiu, com a ajuda da Rússia, uma posição hegemónica que não se prevê que perca. 

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