Assad acusado de ataque químico que fez dezenas de mortos em Idlib

Oposição e aliados acusam regime sírio de violar obrigações que assumiu após ataques de Ghutta. Exército sírio diz que "não usou nem usará nunca" agentes tóxicos na guerra.

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Centenas de pessoas, entre as quais muitas crianças, foram hospitalizadas EPA
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Dezenas de pessoas morreram e centenas foram hospitalizadas com sintomas que indiciam terem sido vítimas de um dos piores da já longa lista de ataques com armas químicas na guerra da Síria. A oposição síria e os seus aliados acusam a aviação de Bashar al-Assad pelo bombardeamento em Idlib, um dos últimos grandes territórios nas mãos dos rebeldes, voltando a acusar o regime sírio de violar os compromissos que assumiu em 2013, após a morte de centenas de pessoas num ataque com gás sarin nos subúrbios de Damasco.

“Esta manhã, cerca das 6h30, aviões atacaram Khan Sheikhoun com gases, que se pensa ser sarin ou gás de cloro”, disse Mounzer Khalil, responsável pelos serviços de saúde de Idlib, província controlada por uma aliança de grupos seculares e jihadistas, incluindo o antigo braço armado da Al-Qaeda. O responsável deu conta de 67 mortos e mais de 300 feridos, mas uma organização de assistência médica à síria, sediada em França, assegura que mais de 100 pessoas terão morrido.

O Observatório Sírio dos Direitos Humanos, que conta com uma rede de activistas no país, adiantou, ainda durante a manhã, que pelo menos 11 das vítimas eram crianças e atribuiu o ataque “à aviação síria ou os seus aliados russos”, há vários dias envolvidos numa contra-ofensiva na província vizinha de Hama.

Nas redes sociais começaram de imediato a circular vídeos e fotografias de corpos prostrados no chão com sinais de morte por asfixia, de homens, mulheres e crianças agonizantes em hospitais improvisados. Quase todos a respirar com ajuda de máscaras de oxigénio, muitos com convulsões ou espuma na boca. Um jornalista da AFP visitou a clínica mais próxima do local do ataque e confirma ter visto feridos com os mesmos sintomas e acrescenta que horas mais tarde o local atingido por novos ataques aéreos.

“A situação é muito má e a maioria dos que estão a sofrer são crianças”, disse ao serviço em língua árabe da BBC Mohammed Rasoul, que gere um serviço de ambulâncias local. “Há muita gente atingida e a maioria dos que estavam perto do epicentro do ataque ou morreram ou estão nos cuidados intensivos”, acrescentou, ao jornal Guardian, um médico de um hospital numa cidade vizinha, para onde foram transferidos alguns dos feridos. Outros viajaram para norte, atravessando a fronteira para receber assistência na Turquia.

Um correspondente da Al-Jazira em Beirute afirma que os relatos que chegam de Khan Sheikhoun são coincidentes, dando credibilidade à suspeita de que este terá sido o pior ataque com armas químicas desde Ghutta. Em Agosto de 2013, centenas de pessoas (mais de 1400, segundo algumas fontes) foram mortas naquela região a leste de Damasco, levando os Estados Unidos a lançar os preparativos para uma intervenção militar, travada depois de a Rússia convencer Assad a renunciar ao seu arsenal químico – Damasco, que sempre rejeitou a autoria do massacre, entregou para destruição 1300 toneladas cúbicas de agentes tóxicos, na sua maioria gás sarin, e ratificou a Convenção para a Proibição das Armas Químicas.

"Um teste" a Trump

O Ministério da Defesa russo garantiu que os seus aviões não lançaram qualquer ataque em Idlib. As Forças Armadas sírias foram igualmente taxativas: “Negamos completamente o uso de químicos ou qualquer material tóxico em Khan Sheikhoun. O Exército não os usou nem usará nunca”.  

Uma versão posta em causa pelas organizações de direitos humanos – em Fevereiro, um relatório da Human Rights Watch documentou pelo menos oito ataques com gás de cloro nas semanas finais da ofensiva contra a Alepo. Antes, em Outubro, uma investigação conjunta da ONU e da Organização para a Proibição das Armas Químicas (OPAQ) concluiu que o regime sírio usou gás de cloro em pelo menos três ataques em 2014 e 2015, reunindo também provas de um ataque com gás mostarda lançado pelos jihadistas do Daesh. Em Fevereiro, a China e a Rússia vetaram uma resolução que condenava Damasco por estes actos, alegando que a investigação não provou de forma convincente a sua autoria.

“Uma vez mais a Síria vai condenar as provas da sua responsabilidade neste massacre. Tal como em 2013, Bashar al-Assad conta com a cumplicidade dos seus aliados para agir com impunidade”, reagiu o Presidente francês, François Hollande, cujo país foi o primeiro a pedir uma reunião de emergência do Conselho de Segurança, agendada para amanhã. Também a Turquia acusa Damasco de ter “violado claramente” as resoluções da ONU sobre o uso de armas químicas e avisou a Rússia que o ataque põe em risco as tentativas dos dois países para manter o cessar-fogo, em vigor desde Dezembro.

A ONU garantiu estar a investigar as denúncias de mais este ataque, que o Presidente norte-americano Donald Trump classificou como um acto “odioso” que "não pode ser ignorado pelo mundo civilizado". O republicano aproveitou no entanto para criticar o antecessor, considerando o ataque desta terça-feira um resultado da “fraqueza” da presidência de Barack Obama.

"O Presidente Obama disse em 2012 que estabeleceria uma 'linha vermelha' contra o uso de armas químicas e depois não fez nada", lê-se num comunicado de Trump.

Por sua vez, num comunicado do chefe da diplomacia norte-americana, o secretário de Estado Rex Tillerson apontou o dedo à Rússia e ao Irão, acusando os dois países de carregarem "uma grande responsabilidade moral por estas mortes", enquanto patrocinadores do acordo de cessar-fogo assinado em Astana.

"Apelamos uma vez mais à Rússia e ao Irão para exercerem a sua influência sobre o regime sírio, para garantir que este tipo de ataque horrível nunca mais aconteça", declarou Tillerson.

Contudo, a Administração republicana repetiu que não considera viável uma mudança de regime na Síria, o que levou o ministro dos Negócios Estrangeiros francês, Jean-Marc Ayrault, a afirmar que Assad está a “testar” a reacção do Presidente Donald Trump. “Os americanos precisam de clarificar a sua posição. Eles apoiam ou não uma transição na Síria?”, questionou.

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