De que se queixam os holandeses?
A divisão entre nacionalistas e cosmopolitas tornou-se determinante para os tempos que correm. Os reacionários ganham com valores nacionalistas quando os progressistas se esquecem dos seus valores cosmopolitas.
Para os eurofóbicos em geral, a Holanda (ou, para ser rigoroso, o reino dos Países Baixos) tornou-se recentemente um país de referência. A direita eurofóbica espera de respiração contida por uma vitória do islamofóbico Geert Wilders nas eleições que terão lugar hoje. Na esquerda eurofóbica, há quem veja nestas eleições mais um sinal do desmantelar da União Europeia, caso Wilders ganhe e venha a cumprir com a sua promessa de referendar a permanência dos Países Baixos na União Europeia(UE). Em revistas e jornais de todo o mundo houve primeiras páginas encimadas por fotografias de Wilders e da sua cabeleira loura. É bem possível que, chegados ao fim desta jornada, o leitor já o tenha visto umas dezenas ou centenas de vezes.
Pois bem, aqui vai uma pergunta: quantas vezes viu a fotografia de Jesse Klaver? Sabe de quem se trata? É possível que o vá ler agora pela primeira vez: Jesse Klaver é o líder do partido que mais cresce nos Países Baixos. Esse partido chama-se Esquerda Verde e segundo as sondagens poderá multiplicar os seus votos por cinco. Pode até ficar próximo, ou mesmo à frente, de Wilders. Ora, Jesse Klaver não é islamofóbico nem anti-imigrante. O seu pai é de origem marroquina e a sua mãe holandesa e indonésia. No fim de contas, poderá vir a acontecer nos Países Baixos o mesmo que sucedeu na Áustria: a imprensa de todo o mundo só falou do candidato da extrema-direita anti-refugiados que acabou derrotado nas eleições, e esqueceu-se do ecologista filho de refugiados que se tornou Presidente da Áustria. Quer queiramos ou não, a divisão entre nacionalistas e cosmopolitas tornou-se determinante para os tempos que correm. Como os casos austríaco e holandês comprovam, quem defende genuinamente valores cosmopolitas, incluindo o reforço democrático da UE, vê o seu eleitorado crescer mais do que os nacional-populistas.
As hipóteses do eco-cosmopolita Jesse Klaver se tornar primeiro-ministro holandês são reduzidas. Mas as do nacional-populista Wilders são ainda mais reduzidas. Porque, na verdade, estamos a falar de um sistema político muito fragmentado, em que qualquer destes partidos poderá ter entre dez e 15%. Sim, o falatório todo sobre Geert Wilders nestas eleições diz respeito a um partido que tem 15%, praticamente nenhuma hipótese de eleger o primeiro-ministro e menos ainda de tirar os Países Baixos da UE.
E, no entanto, teria havido boas razões para analisar o que se passa naquele país e, nomeadamente, para nos perguntarmos porque têm nele os populistas uma força considerável desde há tanto tempo.
E a pergunta a fazer é: de que se queixam os holandeses? É que, por muito que nos esforcemos, os holandeses (para ser rigoroso deveria ser "os neerlandeses", mas passemos adiante) têm muito pouco a ver com o retrato de "perdedores da globalização" que alguns querem que seja o eleitor-tipo dos nacional-populistas. Trata-se, afinal, de um país pouco desigual, com pouquíssimo desemprego, políticas sociais fortes e extremamente à vontade com o comércio internacional. Há regiões onde se vota Wilders apesar de o desemprego estar abaixo dos 4% (e, já agora, de nessas regiões quase não haver imigrantes).
Efectivamente, os holandeses queixam-se de muito pouco, e com razão. Por isso a grandíssima maioria deles não vota em Wilders. No entanto, o caso holandês permite-nos ver como o combate contra o nacional-populismo é um combate por valores. E que os reacionários ganham com valores nacionalistas quando os progressistas se esquecem dos seus valores cosmopolitas.