Discutem-se políticas e não Wilders em Amesterdão
Muitos eleitores sublinham que o sistema político não permitirá à extrema-direita impor as suas ideias mesmo que chegue ao Governo nas eleições desta quarta-feira.
Perguntar a um holandês em Amesterdão em quem vai votar tem, regra geral, duas respostas: a menção a um partido definido acompanhada de uma explicação das suas principais propostas políticas; a admissão de que se está indeciso entre dois ou três partidos e, mais uma vez, a explicação das razões de cada proposta política. Numa eleição que no estrangeiro está a ser vista sobretudo pelo protagonismo de uma personagem, aqui não é Geert Wilders que domina o debate.
Num café numa zona residencial do Sul da cidade, onde não se vêem hordas de turistas em bicicletas ou coffee shops onde se fuma marijuana, há jornais e conversas sobre política. Alguns explicam em quem vão votar: " Voto no D66 porque defende mais investimento na educação”, "voto na Esquerda Verde porque quer mais medidas ecológicas, "voto no que quer manter-se na União Europeia"...
E o voto tem alguma coisa a ver com uma oposição ao político de extrema-direita, Geert Wilders, que com apenas 17% nas sondagens poderá ser o primeiro ou segundo mais votado nas eleições legislativas desta quarta-feira?
“Nããão! É assim que vocês vêem isto?”, pergunta por exemplo Bas Duives, de 44 anos, que trabalha numa empresa de mergulho (afinal, uma boa parte do país está abaixo do nível da água e é preciso construir aí). “Wilders é engraçado, acho piada a tê-lo no Parlamento porque me faz rir”, diz Duives. “Mas o seu plano é ridículo”, acrescenta, lembrando o programa eleitoral do Partido da Liberdade (fechar mesquitas, proibir o Corão). “Como o faria?”
Duives acaba por admitir que a piada pode não ser assim tão grande – apesar de todos os partidos terem dito que não colaborariam com o partido de Wilders, Bas Duives não tem a certeza se isso será verdade. E se Wilders for o partido mais votado? “Como posso ter a certeza? Democracia é democracia.”
Enquanto fora da Holanda se tem sublinhado o efeito de uma potencial vitória de Wilders como galvanizador de um movimento populista - na Holanda e noutros países da Europa –, no país continua a dominar a visão de que num sistema assente na necessidade de coligações, qualquer poder da extrema-direita seria muito limitado – mesmo que chegasse ao Governo, Wilders teria de fazer concessões.
E a sua ascensão só acontece até a um certo ponto – o facto de ficar em primeiro tem mais a ver com a descida dos partidos que sempre foram os maiores do que com uma subida meteórica da sua visão radical.
Ironicamente, mas como acontece com muitos partidos populistas noutros países, Wilders conseguiu ter influência mesmo sem estar em qualquer Governo (apoiou, durante pouco mais de um ano, um executivo minoritário do ainda primeiro-ministro Mark Rutte), levando todo o discurso político mais para a direita, e tornando normal uma atitude mais radical sobre as minorias e a imigração.
Rutte (Partido Liberdade e Democracia), por outro lado, é um dos políticos há mais tempo no poder na União Europeia (atrás da alemã Angela Merkel e do húngaro Viktor Orbán). E embora a economia tenha finalmente melhorado depois de medidas fortes de austeridade, os holandeses ainda se queixam de ter de pagar um extra de quase 400 euros a cada ano para o sistema de saúde, e de ter carências no cuidado a idosos e educação, por exemplo.
No mesmo café onde está Bas Duives, há uma mulher mais velha a ler o jornal com muita atenção, a demorar-se nos artigos sobre as eleições, as páginas bem perto dos óculos. Mas mesmo depois de pousar o jornal é uma das raras pessoas que não quer falar sobre o assunto. “Estive dois meses fora, acabei de chegar e estou pouco informada! Ainda não faço ideia em quem vou votar”, esquiva-se. “Não me sinto confortável a falar de algo de que não sei o suficiente”, remata.
Outros eleitores admitem estar indecisos entre dois ou até três partidos, como a estudante Anna van Tiel, que não decidiu ainda se vai votar nos liberais do D66, que já participaram em governos anteriores, e cujo líder, Alex Pechtold, tem uma forte retórica anti-Wilders, ou na Esquerda Verde, liderados pelo jovem, carismático e empático Jesse Klaver, que é comparado ao primeiro-ministro canadiano Justin Trudeau, e faz campanha pela mudança. Já para outras pessoas como o jornalista luso-holandês Alexandre Roque, as escolhas alargam-se para uns três partidos. “Certo é que não vou votar Rutte nem Wilders.”
Só campanha “divertida”
Esta é uma campanha especial porque um dos protagonistas, Geert Wilders, está impedido de fazer grandes acções públicas por razões de segurança. Depois do assassínio do realizador Theo van Gogh em 2004, Wilders está na lista de alvos de muçulmanos radicais e está rodeado de segurança 24 horas por dia. Assim, a sua campanha na rua é feita aparecendo de surpresa, alertando apenas alguns media.
Além disso, Wilders declarou logo no início da campanha que não faria nada que não achasse “divertido”.
Isso quer dizer que não foi a programas de que não gostasse, não foi entrevistado por jornalistas que classificasse como sendo “de esquerda”, e só participou em dois debates: um com todos os candidatos numa emissão para crianças, e outro com o primeiro-ministro Mark Rutte, que, como todos os debates para as eleições, foi feito com audiência ao vivo, no caso na Universidade Erasmo de Roterdão.
Havia quem tivesse, assim, grandes expectativas sobre o debate entre os dois políticos, que se realizou na segunda-feira ao final da tarde. Mas tirando um confronto tenso, o debate acabou por não trazer muito de novo. Rutte criticou as “falsas soluções” de Wilders, como o encerramento de mesquitas e a proibição do Corão e disse que enquanto o Governo se estava “a focar nas causas da crise dos refugiados”, Wilders estava a “desperdiçar toda a atenção na polícia do Corão”.
Wilders retorquiu que Rutte dava melhores cuidados de saúde aos refugiados do que aos holandeses, acusando-o de “ser o primeiro-ministro dos estrangeiros”.
A imprensa declarou Rutte o vencedor do debate, por ter conseguido desafiar Wilders, que não conseguiu sair do modo de crítica e apresentar soluções realistas.
As últimas sondagens davam a vantagem ao partido de Rutte, que esteve durante quase toda a campanha atrás de Wilders: 16,2% contra 13,4%. Apesar de o fim-de-semana ter sido dominado pela questão turca, não havia sinais, nas sondagens, de grandes alterações: apenas uma delas notava um efeito, que era de subida para os dois partidos de direita, e para o partido pró-imigrantes Denk (que é pró-Erdogan).
O partido democrata-cristão CDA, a subir, surge logo com 12,5% e com valores muito semelhantes estão os liberais do D66 e a Esquerda Verde.
A queda mais impressionante parece ser a dos sociais-democratas do PvdA, do ministro das Finanças Jeroen Dijsselbloem, que se os números das sondagens se confirmarem poderão eleger apenas 12 deputados, perdendo 27. A participação na coligação com Rutte e no programa de austeridade prova-se assim desastrosa para o partido minoritário – ainda que, depois de seis anos, todos os indicadores estejam finalmente a melhorar e a economia a crescer.
O sistema político holandês é extremamente representativo, um caso excepcional na Europa, com um limiar para representação parlamentar mínimo (de 0,67%). As contas são depois feitas proporcionalmente, dividindo os votos pelos 150 lugares do Parlamento: e com 28 partidos há boas hipóteses para 14 destes elegerem deputados. Antecipa-se que o próximo Executivo tenha entre quatro e sete partidos, e se normalmente as conversações para uma coligação demoravam uma média de três meses, ninguém arrisca prever o que irá acontecer depois desta votação.
Mas a existência de tantos partidos com resultados tão próximos nas sondagens faz com que nenhum analista se atreva a prever a combinação mais provável de governo.