Geert Wilders: A tragédia do político radical na sua bolha
Com apenas 17%, pode ser o político mais votado nas eleições na Holanda. Líder de um partido de que é o único membro, com um programa que cabe numa folha A4 e pede o encerramento de mesquitas e proibição do Corão, é cada vez mais extremista. Vive há 13 anos sob rigorosa segurança.
A figura de Geert Wilders é feita de contradições. É a personagem anti-sistema por excelência – mas poucos deputados estão há tanto tempo como ele no Parlamento. É o homem que fala do “holandês comum”, “Henk e Ingrid”. Mas, por estar sob protecção policial desde 2004, é dos políticos que menos contacto tem com cidadãos comuns. É alguém que se apresenta como não temendo o confronto de ideias mas que bloqueia os seus críticos no Twitter – incluindo o seu irmão. O seu partido chama-se da Liberdade, mas o seu programa é proibir – não permitir a venda do Corão, fechar mesquitas. O seu forte é a retórica anti-imigrantes, mas a sua mãe é de origem indonésia
Foi considerado um político perigoso por várias pessoas, incluindo o seu irmão. Numa entrevista à revista alemã Der Spiegel, Paul Wilders, irmão mais velho de Geert (tem ainda mais duas irmãs mais velhas), disse que criticou abertamente o político populista depois de este ter posto uma imagem da chanceler alemã, Angela Merkel, com sangue nas mãos, na sequência dos atentados de Berlim. “Isto é perigoso”, considerou Paul. “Já não é crítica política. É espalhar ódio.”
O irmão descreve-o como “um mestre das mensagens simples”. A simplicidade marca o seu discurso, mas nada é ao acaso.
Wilders é o único membro do seu partido, que não tem uma grande rede na Holanda – nas últimas eleições locais concorreu em apenas duas cidades. Os seus deputados não são oficialmente registados no partido, e têm com ele uma relação quase feudal, classifica o professor de filosofia Remko van Broekhoven. Não estão autorizados, por exemplo, a dar entrevistas. Dois funcionários do partido processaram-no por exigir demasiado.
Começou como deputado do partido de centro-direita de Mark Rutte em 1998, tornou-se independente, e a seguir ao homicídio do realizador Theo Van Gogh, decidiu fundar o seu próprio partido.
O desejado
A sua estratégia de comunicação passa por aparecer pouco, e medir bem onde aparece. Começou a usar o Twitter para compensar a falta de possibilidade de contactos – a sua segurança é estrita desde que foi assassinado Theo van Gogh por um holandês de ascendência marroquina e se descobriu que Wilders estava também na lista de alvos por causa das suas posições extremadas contra o islão.
Raramente dá entrevistas, tanto que quando dá isso é um acontecimento. Não vai a talk shows políticos. Esta segunda-feira deverá, no entanto, participar num debate com o primeiro-ministro, Mark Rutte.
O que isto faz é despertar a curiosidade, diz van Broekhoven, da Universidade de Utrech, que estudou Wilders. Ele faz da escassez uma mais-valia e torna-se mais interessante por estar menos disponível. Por outro lado, argumenta que assim a sua mensagem passa sem intermediários, já que acusa os media de distorcer a sua mensagem.
O seu programa para estas eleições cabe numa folha A4. As propostas são directas: proibir a venda do Corão, acabar com as mesquitas, proibir a entrada de imigrantes de países islâmicos, expulsar criminosos com dupla nacionalidade, não dar mais dinheiro público a arte, ajuda ao desenvolvimento, turbinas eólicas, dar muito mais verbas a defesa e polícia, sair da União Europeia.
Wilders transformou a ameaça que ele próprio enfrenta na ameaça a um país, a um continente, a uma civilização. Desde que uma viagem a Israel (onde foi de mochila às costas e acabou a trabalhar num colonato judaico na Cisjordânia ocupada), acredita que o Estado hebraico é a “última barreira” contra o “perigo do islão”, que, defende, ameaça a Europa.
Este radicalismo é uma das razões do seu sucesso, diz ainda Van Broekhoven, por telefone, ao PÚBLICO. “Não tem nuance, não tem contrabalanço – isso não é muito bom para o debate democrático, mas é bom para títulos de jornais”, sublinha.
"Mas como?"
Esta simplicidade aparente está a ser desafiada. No programa Zondag met Lubach, o talk show da noite de domingo que ganhou notoriedade global com o vídeo de resposta a Trump America first, The Netherlands second, Arjen Lubach lançou uma campanha sob o mote “mas como?”, dedicada a questionar Wilders sobre como conseguiria cumprir o seu programa, quando uma boa parte esbarraria em barreiras práticas como a lei internacional ou a Constituição holandesa.
Wilders está neste momento a disputar a hipótese de ser o partido mais votado nas eleições desta quarta-feira, mas apenas com 17% das intenções de voto. O que aconteceu foi que os partidos que antes concentravam maiorias perderam muito apoio e este foi partilhado por uma série de novos partidos – deverão entrar neste Parlamento pelo menos 14 formações. O sistema dá representação a todos.
Nas últimas semanas, suspendeu a campanha, mas voltou quando começou a descer nas sondagens (nas últimas está empatado tecnicamente com Rutte, um ponto percentual de diferença). “De vez em quando tenho medo”, disse, depois de se suspeitar que um dos seus seguranças teria dado informação a uma rede criminosa marroquina.
Prisioneiro da sua política
Mas no site do partido praticamente não há acções de campanha programadas, e o regresso de Wilders à campanha foi feito num bar, acompanhado por uma televisão, sem ter sido anunciado.
As imposições de segurança fazem parte da vida de Wilders e há quem diga que ele se tem radicalizado por causa disso. Remko van Broekhoven comenta que depois da eleição de Donald Trump se fala muito de pessoas que vivem “nas suas bolhas” sem contacto com realidades diferentes. No caso de Wilders, ele vive de facto numa bolha especialmente restrita”. Encontra-se apenas com os deputados do seu partido, e na maioria das vezes com pessoas que são seus apoiantes.
“Está numa bolha que só reforça os seus medos e a sua raiva, e é uma tragédia para ele – claro que não devia ser assim, mas é também perigoso para a sua política, que parece escalar a cada ano”, diz Van Broekhoven. “O seu problema pessoal e o seu programa político reforçam-se mutuamente. Ele não tem saída, não pode ter uma outra vida, e só se torna mais extremista, tornou-se prisioneiro da sua própria política".
O irmão também fala deste aspecto: “Geert não tem muito na vida para além da política”. Vive entre o seu apartamento, o Parlamento, e eventos públicos. Os seguranças acompanham-no até nas festas de família (a sua segurança, 24 horas, inclui vários guardas armados, um carro blindado, colete à prova de balas, e estima-se que custe dois milhões de euros por ano). “O seu destino depende do seu sucesso político.”