Cartas ao director
Uma crise mortal
À última foi de vez. A Comissão Nacional do PS aprovou a despenalização da eutanásia. Num eufemismo grotesco e impróprio chamam "acto médico” a retirar a vida a um doente terminal. Está dado o próximo passo de que falavam os defensores desta abencerragem cibernética.
Mas o passo em frente foi dado num precipício. Porque a afirmação de que a eutanásia não é uma “cultura da morte” mas uma “valorização” da autonomia da pessoa e dos valores que defendem, é um trocadilho oco e falso que projecta um trágico indiferentismo e vai repassado de um gravíssimo relativismo moral. Um PS de directório, fugaz, cínico e medíocre corre atrás de um puro prejuízo político, numa questão armadilhada à partida pelo veneno niilista e verdadeiramente mortal do movimento Direito a Morrer com Dignidade e do Bloco de Esquerda
O PS entende que a oportunidade desta moção é trazer à discussão um debate sobre a vida. Extraordinário. Debater a vida mobilizando a morte.
Carlos César, um senador liberal, recordou que o PS decidiu dar liberdade de voto. Magnânimo, remete para a consciência e decisão individual de cada um dos 86 deputados socialistas a votação no parlamento. Numa apatia embriagada e resignada, a massa restante assiste calada.
Miguel Alvim, Lisboa
A Descentralização Anárquica
Certamente motivado por alguma razão esotérica, o governo defendeu a ideia peregrina de fazer de cada município uma região para delegação de competências e em particular o seu ministro adjunto tem vindo a anunciar a ladainha ininterrupta das respetivas medidas, de forma avulsa e descontextualizada e remetendo para futuro incerto a proposta legislativa.
Não ocorreu às mentes iluminadas deste exercício de experimentalismo administrativo, que mais de um terço dos municípios tem menos de 10 mil habitantes e na maioria destes existem juntas de freguesia com menos de mil residentes. De modo que descentralizar poderes de entidades nacionais como a ASAE (inspeção económica), a DGAV (saúde animal), DGCI (avaliação de imóveis - IMI), para estruturas sem escala, onde a proximidade entre o fiscalizador e o fiscalizado não permite nem garante isenção e muito menos autoridade, configura o triunfo absoluto do caciquismo e do amiguismo. É tão básico que nem um caloiro de direito administrativo cometeria um erro tão grosseiro.
Seria possível transferir algumas competências governamentais para as Comissões de Coordenação e Desenvolvimento Regional (CCDR), cuja áreas de atuação correspondem a cinco regiões em que já existe escala adequada, porém o modelo existente das CCDR, cujos órgãos não são eleitos e o presidente é nomeado pelo governo, inviabiliza qualquer veleidade.
A questão requer um estudo aprofundado de uma universidade de referência para enquadramento e reflexão prévios. O modelo do tipo anárquico e caótico proposto, não tem qualquer viabilidade.
Rui M. Alves, Lisboa