Muitas árvores da Amazónia são uma herança viva dos antigos povos indígenas
Árvores do cacau, da borracha, da castanha-do-brasil ou do caju já eram plantadas antes da chegada dos europeus à América do Sul.
Os povos indígenas antigos tiveram um impacto bem mais profundo na composição da vasta floresta amazónica do que se pensava até agora, segundo um estudo publicado esta sexta-feira na revista Science, que revelou como as espécies de árvores domesticadas pelos humanos há muito tempo ainda hoje dominam grandes faixas do território selvagem.
Muitas das árvores que povoam a região da Amazónia parecem ser abundantes porque foram plantadas pelas pessoas que viviam na área antes da chegada dos europeus há mais de cinco séculos. Isto inclui as árvores do cacau, da borracha, do açaí, da castanha-do-brasil, do caju, do abio ou a palmeira tucumã.
“Por isso, a Amazónia não estava tão intocável como podia parecer”, diz um dos autores do estudo, Hans ter Steege, ecologista do Centro de Biodiversidade Naturalis e investigador da Universidade Livre de Amesterdão, ambos na Holanda. “Algumas das espécies de árvores que são abundantes na floresta amazónica hoje, como o cacaueiro, a palmeira do açaí e castanha-do-brasil, provavelmente são comuns porque foram plantadas pelas pessoas que viviam aí muito antes da chegada dos colonizadores europeus”, frisa outro dos autores do trabalho, Nigel Pitman, especialista em conservação da natureza do Museu Field em Chicago (EUA), citado num comunicado desta instituição.
Os investigadores utilizaram dados sobre a composição da floresta em 1170 locais espalhados pela Amazónia e compararam-nos com um mapa com mais de 3000 sítios arqueológicos conhecidos representando povoamentos humanos antigos.
O estudo concluiu que 85 espécies conhecidas de árvores que foram usadas nos últimos 8000 anos pelos povos da Amazónia – para obtenção de frutos, nozes, materiais de construção e outros fins – tinham cinco vezes mais probabilidade de serem agora dominantes na floresta amazónica do que as espécies que não tinham sido domesticadas.
Também se descobriu que as florestas próximas dos locais arqueológicos, incluindo povoações pré-colombianas, tinham muito mais probabilidades de ter espécies que foram domesticadas pelos povos antigos.
A floresta amazónica é um impressionante elemento natural da América do Sul e um dos reservatórios biológicos mais ricos a nível mundial, repleto de plantas e animais. A Amazónia encontra-se principalmente no Brasil, mas espalha-se também pelo Peru, Colômbia, Bolívia, Venezuela, Guiana, Suriname, Equador e Guiana Francesa.
Muitas árvores que são abundantes representam espécies essenciais para a subsistência e a economia dos povos da Amazónia. Na altura da conquista europeia, estima-se que viviam na Amazónia entre oito a dez milhões de pessoas, que falariam pelo menos 400 línguas diferentes.
“As civilizações passadas tiveram um grande papel em mudar, tanto de forma consciente como inconsciente, a vegetação à volta das suas povoações e ao longo de caminhos que usavam para viajar”, sublinha a coordenadora da equipa, Carolina Levis, doutoranda em ecologia no Instituto Nacional de Pesquisas da Amazónia (no Brasil) e da Universidade de Wageningen (Holanda). “Durante muitos anos, os estudos de ecologia ignoravam a influência dos povos pré-colombianos nas florestas que temos hoje”, acrescentou Carolina Levis, segundo o comunicado do Museu Field. “Descobrimos que um quarto destas árvores domesticadas se encontra largamente distribuídas na bacia [do Amazonas] e dominam largas extensões da floresta. Estas espécies indicam que a flora amazónica é em parte uma herança viva dos seus antigos habitantes.”