A voz que criticava a guerra suja de Duterte foi silenciada
A senadora Leila de Lima liderou uma sessão de inquérito à luta contra as drogas que em poucos meses fez milhares de mortos em todo o país. Agora está prestes a ser presa.
Há meses que a senadora filipina Leila de Lima sabia que os seus dias de liberdade estavam próximos do fim. A confirmação chegou esta quinta-feira com a emissão de uma ordem de prisão, motivada por acusações contra a ex-ministra por suspeita de envolvimento num esquema de tráfico de droga numa prisão. A mais proeminente crítica da luta sangrenta contra as drogas do Presidente Rodrigo Duterte apresenta-se como uma “prisioneira política”.
A senadora diz estar preparada para enfrentar as acusações e para ser detida já esta sexta-feira. “Não pretendo esconder-me”, garantiu Lima, citada pelo serviço filipino da CNN. No entanto, tem denunciado o caso movido contra si como “perseguição política”, depois de durante vários meses ter encabeçado a oposição à ofensiva que Duterte lançou contra o tráfico de droga desde que tomou posse, em Junho. Na semana passada, a Human Rights Watch dizia que a detenção iminente da senadora representava um “acto de vingança política que degrada o Estado de direito” do país.
O confronto entre Lima e Duterte não é de agora. Depois de ser nomeada para liderar a Comissão de Direitos Humanos, em 2008, Lima depressa se concentrou na luta que Duterte, então autarca de Davao, a maior cidade da ilha de Mindanao (sul), travava contra o tráfico de droga. Na altura, multiplicavam-se as suspeitas de que as autoridades locais recorriam a “esquadrões da morte” para levar a cabo rusgas que acabavam invariavelmente em massacres. Porém, a investigação liderada por Lima não conseguiu reunir provas suficientes para atribuir uma ligação entre a actuação das milícias e Duterte.
Depois de irromper de forma surpreendente nas eleições presidenciais do ano passado, Duterte prometeu replicar os métodos que em Davao lhe valeram alcunhas como “Justiceiro” ou “Duterte Harry”. Num país aparentemente rendido à dureza e ao estilo controverso do novo Presidente, Duterte iniciou o seu mandato “sem uma oposição formal”, escrevia a BBC em Dezembro.
Uma vez mais, a contestação resumiu-se às acções quase solitárias de Lima que, já como senadora, liderou uma comissão de inquérito às operações policiais contra o narcotráfico. Foi durante uma destas sessões que um antigo membro de um dos esquadrões de Davao revelou que o próprio Presidente chegou a participar directamente em algumas execuções.
Inimiga n.º 1
Tornada inimiga número um de Duterte, Lima acabou por ser afastada da comissão e viu-se ela própria no centro de uma investigação. Em causa estão as suspeitas de que, enquanto ministra da Justiça, terá permitido que uma rede de tráfico de droga operasse a partir de uma prisão, a troco de subornos que usou para financiar a sua campanha para as eleições senatoriais.
Os críticos de Lima acusam-na de alguns exageros e de se encarar a si própria como uma espécie de “justiceira”. Quando era ministra permitiu a detenção da ex-Presidente Gloria Arroyo – que anos antes a tinha nomeado como chefe da Comissão de Direitos Humanos – em 2011, quando se preparava para sair do país para obter tratamento médico. Outro dos casos mais controversos envolveu acusações contra uma das principais ordens religiosas cristãs pelo envolvimento numa série de raptos e que, num país fervorosamente católico, motivou uma onda de manifestações.
“Nunca escolhi ser polémica”, admitiu no ano passado. “Na verdade, teria sido impossível permanecer fora da polémica quando casos de alto nível continuam a surgir.” O Governo nega que a prisão de Lima tenha qualquer objectivo político e criticam-na por se ter negado a responder às intimações para apresentar a sua defesa. “Os casos de tráfico de droga não envolvem as crenças políticas das pessoas, envolvem a escolha de alguém em participar em esquemas ilegais”, defende o ministro da Justiça, Vitaliano Aguirre.
Para Lima, a sua detenção vai servir sobretudo para chamar a atenção para os abusos que Duterte tem cometido desde que chegou ao poder. Na semana passada, a senadora dizia-se preparada para ser “a primeira prisioneira política deste regime”.