Presidente filipino “despachou homem com Uzi” e “mandou assassinar” centenas
Denúncias feitas por um assassino arrependido, membro de um esquadrão da morte, perante uma comissão do Senado transmitida pela televisão.
A comissão de inquérito no Senado das Filipinas foi aberta para investigar o aumento nas mortes extrajudiciais e homicídios desde que Rodrigo Duterte chegou à presidência, em Junho. Mas as revelações feitas pelo ex-assassino Edgar Matobato referem-se aos mais de 25 anos em que Duterte foi presidente da câmara de Davao: segundo o testemunho do arrependido, o agora Presidente “despachou” pelas suas próprias mãos um funcionário do Ministério da Justiça.
Matobato, membro do Esquadrão da Morte de Davao, um grupo de vigilantes alegadamente responsável por um milhar de mortes, admite ter matado pessoalmente umas 50 pessoas. Entre 1988 e 2013, muitos dos crimes do grupo foram ordenados directamente pelo então autarca, diz Matobato, que garante ter ouvido o actual Presidente dar as ordens, incluindo do assassínio de um homem que o vigilante deitou vivo aos crocodilos.
“O nosso trabalho era matar criminosos, pequenos traficantes de droga, violadores, bufos. Era isso que fazíamos. Passávamos os dias a matar pessoas”, descreveu.
Não só suspeitos criminosos: Matobato, de 57 anos, acusa o político de ter mandado matar um bilionário da hotelaria que teria uma discórdia com o seu filho “por causa de uma mulher”, já em 2014 (Matobato começou a tentar sair do esquadrão em 2013, mas as mortes continuaram); um comentador de rádio e crítico de Duterte, Jun Pala, em 2003; quatro guarda-costas de um candidato rival, Prospero Nograles; acusando-o ainda de ter ordenado ataques indiscriminados contra as mesquitas de Davao depois de um atentado a uma catedral católica, em 1993.
“Foram mortos como galinhas”, diz. Matobato conta ainda ter assassinado – e cortado em pedaços – um suspeito terrorista estrangeiro enterrado em 2012.
Apesar do ex-assassino já estar num programa de protecção de testemunhas desde a eleição de Duterte para a presidência, o testemunho foi brevemente interrompido quando os senadores decidiram discutir como garantir a sua segurança a partir de agora. Um ministro do Governo descreveu estas alegações como “mentiras e invenções” e o filho do chefe de Estado, Paolo Duterte, falou em simples “diz que disse” da boca de “um louco”.
Três mil mortos em três meses
Certo é que Matobato não poupou os senadores e os espectadores a pormenores e descreveu com aparente boa memória um dia de 1993 em que o seu esquadrão deu de caras, numa estrada, com um bloqueio onde se encontrava um homem de nome Jamisola, agente do Gabinete Nacional de Investigação, parte do Ministério da Justiça. A uma troca acesa de palavras ter-se-á seguido uma troca de disparos. “Foi o presidente Duterte que o despachou. Jamisola ainda estava vivo quando ele chegou. Esvaziou dois carregadores de Uzi nele.”
Segundo o testemunho, os corpos destas vítimas, mortas a tiro ou estranguladas, eram geralmente desfeitos e deitados ao mar para assim desaparecerem.
Duterte, que antes de chegar à chefia do país foi reeleito sete vezes para a presidência da câmara de Davao, uma cidade com 1,5 milhões de habitantes, é acusado há anos por organizações de direitos humanos de financiar os esquadrões da morte em Davao. Em 2009, a Human Rights Watch divulgou um relatório onde apelava às Filipinas para desmantelarem estes gangues de vigilantes altamente organizados, dizendo que tinham ligações directas a membros do governo e da polícia da cidade.
Esta comissão de inquérito é liderada pela senadora Leila de Lima, crítica da campanha de combate à droga de Duterte, que já deixou mais de 3000 traficantes e toxicodependentes mortos nos últimos três meses. Conhecido como “Duterte Harry” ou “o justiceiro”, o Presidente respondeu às críticas acusando a senadora de envolvimento em negócios com senhores da droga sob detenção.