Partilhar ideias e trocar saberes entre máquinas e fios
Dono de antiga fábrica de lanifícios transformou espaço numa “fábrica de cultura”, o New Hand Lab.
Francisco Afonso não podia deixar morrer a Fábrica António Estrela, junto à ribeira da Carpinteira, na Covilhã. Contava dez anos quando lá entrou pela primeira vez. Ficou fascinado com o som das máquinas, o rodopio de trabalhadores, a cor dos fios. “As minhas brincadeiras foram sempre em volta das lãs, dos fios.” Transformou-a numa “fábrica de cultura”, o New Hand Lab.
Nos anos dourados da indústria dos lanifícios, naqueles dez mil metros de área coberta chegaram a trabalhar 400 pessoas. Foram sendo dispensadas, a cada solavanco da contabilidade. Em 2002, na hora do fecho, eram 40. E Francisco Afonso estava à frente delas, pesaroso.
“Diga-se o que se dizer, os países asiáticos tiveram grande influência”, comenta o homem, agora com 59 anos, com indisfarçável comoção. “Praticavam preços muito mais baixos.” Não foi só isso. “Houve uma grande evolução tecnológica. Acompanhá-la exigia investimento avultado.”
Nunca abandonou a fábrica. Era como se se recusasse a aceitar que aquela época, para ele, tinha terminado. “Achava que aí viriam dias melhores.” Assegurou a vigilância, a manutenção. Para fazer o corte, abriu uma loja na aldeia histórica de Castelo Novo. Passaram dez anos. Tornou a olhar para aquilo tudo. Agora, criadores de diferentes áreas (design, fotografia, vídeo, escultura, pintura, artesanato) partilham ideias e trocam saberes entre máquinas e equipamentos têxteis e fios de muitas cores. E Francisco Afonso já sonha com o dia em que aquele espaço fará parte de uma rota de arqueologia industrial.
João Inácio, o mais jovem do grupo, vive em casa dos pais, como quase todos os rapazes de 25 anos, mas não lhes pede dinheiro, ganha a vida a fazer vídeos de casamentos e vídeos promocionais. Quando imagina o futuro, vê-se a viver na Covilhã e a ter uma produção de cinema e música capaz de ser apreciada em qualquer parte do país ou do estrangeiro. Estudou Cinema e Design Multimédia na Universidade da Beira Interior. Nesta antiga fábrica, montou o seu próprio estúdio de cinema, a M4M Productions, e rodou a curta-metragem “A paixão do operário”, que estreou em Setembro no teatro municipal. “Dá para fazer aqui tudo o que dá para fazer lá fora”, acredita.
Miguel Gigante é a prova do possível. Com design contemporâneo, aquele criador de moda, de 45 anos, só faz peças em burel e derivados de burel (pura lã de ovelha urdida, escaldada e pisada até formar um tecido compacto, resistente ao vento e à chuva, muito usado pelos pastores). Partilha uma loja no Porto. Amiúde, participa em eventos em Lisboa. Frequenta diversas feiras. Tem uma clientela internacional. “Quando alguém pega numa das minhas peças, digo que conheço os pastores, as pessoas que fazem o fio, que isto representa o território.”
O edifício desmedido, frio, é inspirador. Não há muito tempo grande parte da cidade trabalhava no têxtil. “Nós continuamos a respirar isso”, diz Miguel Gigante. “Aqui o que nos liga é esse amor. O romantismo à volta disso. A tentativa de preservar este património, obviamente numa linha mais contemporânea”, remata.