“E aqui e ali o elefante branco”
Jean-Loup Passek era proprietário do carrossel do Jardim do Luxemburgo desenhado pelo arquitecto da Ópera de Paris, eternizado num poema de Rilke, e cenário de vários filmes.
A história vem da transmissão oral e familiar, e acrescenta-se a tantas outras que envolvem o histórico carrossel do Jardim do Luxemburgo, desenhado por Charles Garnier, o arquitecto da Ópera de Paris: em Agosto de 1944, no rescaldo da libertação da capital francesa do jugo nazi, alguns soldados do exército de Hitler, certamente amantes da poesia de Rainer Maria Rilke (1875-1926) mais do que da guerra, trataram de levar consigo alguns dos animais do carrossel que o poeta alemão tinha cantado num poema que se tornaria famoso, Das Karrussel, publicado em 1907.
Levaram uma girafa e uma zebra, mas “o elefante branco” e o “mau leão vermelho” sobreviveram a este último ataque nazi.
A família proprietária do carrossel guardou estas duas peças em casa, substituindo-as, como já vinha acontecendo através dos anos, por cavalinhos novos que continuavam a assegurar “a desfilada com meninas claras”.
Jean-Loup Passek, o herdeiro do carrossel, manteve depois o leão e o elefante no seu apartamento de Paris. Era a memória física, familiar e afectiva de uma ligação à história da cidade; mas também à história do cinema, já que o carrossel do Jardim do Luxemburgo vinha sendo também um cenário (e adereço) muito procurado para a rodagem de filmes; e ainda à própria história da literatura, por via da escolha do nome para a criação das suas Editions de l’éléphant blanc.
Do ponto de vista pessoal e profissional, Jean-Loup Passek eram também uma espécie de “elefante branco” – “e aqui e ali o elefante branco”, como no “refrão” do poema de Rilke. No cinema, entre a história (coordenador do Dictionnaire du Cinéma, da Larousse, e das Collections Cinéma Singulier e Cinéma Pluriel) e a programação (Centro Pompidou, Festival de La Rochelle, Caméra d’Or de Cannes); na vida, entre a sua França natal e o seu Portugal de adopção; e, por cá, entre Melgaço, terra a que doou a sua valiosa colecção de memorabilia cinéfila, que daria origem ao museu de cinema que tem o seu nome, e a região da Nazaré, onde construiu uma casa para morar mais perto dos imigrantes que lhe deram a família que lhe faltava…
Cinéfilo curioso, e às vezes também furioso, quando lamentava os caminhos que o cinema vinha trilhando, Jean-Loup Passek era igualmente “o elefante branco” da memória. Via tudo, lia tudo, anotava tudo, coleccionava tudo. Estava aberto a todas as geografias e dedicava a mesma “curiosidade total” – para citar o título feliz da recente homenagem que lhe foi prestada pela Cinemateca Portuguesa – às estéticas e cinematografias do mundo inteiro.
E era ainda um “elefante branco” na sua relação com os lugares e as pessoas que o rodeavam: ora com o máximo de serenidade e simpatia; ora com uma pressa desmesurada e a mais alta gritaria, quase como um elefante numa loja de porcelanas...
“E aqui e ali o elefante branco.// E passa a correr com pressa do fim,/ vai de roda e gira, não tem direcção./ Verde e encarnado e cinzento, sim,/ pequeno perfil mal mostra a feição –/ E às vezes um rir, pra ti e pra mim,/ alegre a fundir-se e a fugir assim/ neste jogo cego sem respiração…” – como no fim do poema de Rilke (traduzido por Vasco Graça Moura).