Para o produtor de Pulp Fiction, o próximo Tarantino vem dos media digitais como o Buzzfeed

Michael Shamberg acredita que se vive “um Big Bang” na produção de cinema e TV e que “Hollywood está desesperada por conteúdos”.

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Michael Shamberg Power Sport Images/Getty Images

O produtor de Pulp Fiction e Django Libertado é agora consultor do Buzzfeed, na sua versão produtora de filmes, porque está fascinado com a possibilidade de testar novos conteúdos no meio digital. Mais do que reagir àquilo de que as pessoas gostam, é perceber como se relacionam com a imagem em movimento. Michael Shamberg, optimista quanto ao potencial da produção de cinema e TV no meio digital – e à sobrevivência, incólume, do sector nos EUA à eleição do seu novo Presidente – fala de um “Big Bang. O próximo Tarantino, o próximo Soderbergh, o próximo Christopher Nolan virá desta área”, disse esta quarta-feira na Web Summit, em Lisboa.

Ao terceiro dia, nas conferências dedicadas aos conteúdos, especialmente no sector do audiovisual, efeitos visuais e realidade virtual, o tom optimista quanto ao impacto futuro da evolução do digital continua. E embora Shamberg, que deu uma das mais ricas palestras-entrevista do dia no palco Content Makers, admita que o panorama actual “talvez não ofereça grande estabilidade de emprego”, frisa que “há uma base para muita criação de conteúdos originais, é o Big Bang”.

“Não é ainda um meio maduro e ninguém sabe o que aí vem, mas estou sempre esperançoso”,  nomeadamente quanto à possibilidade de este Big Bang trazer consigo “mais diversidade, em termos de etnias e mais mulheres no sistema”, acrescentou.

Produzir em ambiente digital e em novas plataformas de distribuição como o jovem Buzzfeed Motion Pictures é mais barato, diz o produtor de Reality Bites, nos anos 1990, ou de Os Amigos de Alex na década anterior, e agora de Tarantino e da série do canal de TV por subscrição AMC Into the Badlands. Bate os modelos pré-existentes do cinema, em que “só se olha para um horizonte de um ano” com foco no lucro e se gastam pelo menos 100 milhões de dólares num projecto, ou o oneroso processo de produção de episódios-piloto para televisão, que gasta “centenas de milhões de dólares” para decidir que punhado de novos títulos vai desenvolver. Já novos players do streaming como a Amazon ou o Netflix têm “estruturas de custo baixas”, por exemplo. No futuro, talvez o Buzzfeed se torne numa plataforma de distribuição de audiovisual, admite, “talvez um sistema de video on demand low cost”.

Shamberg diz que há cerca de três anos começou a olhar em volta e a tentar perceber o que viria a seguir para produzir na sua empresa, a MAS Production. “Hollywood está desesperada por conteúdos base, todos os estúdios querem o que a Disney tem, porque tem a Marvel, como a Warner tem a DC Comics. Mas em Hollywood não há motor para gerar conteúdos sem ser comprar propriedades ou conteúdos fora de Hollywood. Os vídeos Buzzfeed são feitos por cem mil dólares”. Podem ser criados e depois perceber-se como fazer dinheiro com eles.

Mas produzir no Buzzfeed significa muitas coisas, experimentar e testar, mas também que se vai pegar em histórias que estão literalmente no site de informação especializado em conteúdos virais e, ou que são o “espírito do Buzzfeed”. A essência do Buzzfeed é perceber o que as pessoas querem a partir da sua relação com a experiência que têm dos vídeos. A relação baseia-se no sentimento e o sentimento é o que vendemos no negócio do entretenimento”, disse, falando na matéria que considera central para as histórias. “Se alguém partilhar um vídeo, é mais importante do que se alguém o vir”, exemplificou.

Na Buzzfeed Motion Pictures, unidade de produção do gigante norte-americano online, foram injectados 50 milhões de dólares à partida, há dois anos, e Shamberg já tem um projecto sonante em mãos: Brother Orange baseia-se numa história que se tornou viral sobre um funcionário do Buzzfeed que perdeu o telefone e que um ano depois começou a receber nele a actualização da partilha de imagens, mas do novo proprietário que ainda estava ligado à sua iCloud. Escreveu sobre isso e o carácter viral da história levou a Internet a reuni-lo com um homem na China, comprador incauto do seu telefone roubado, de quem ficou amigo. Ellen DeGeneres está já envolvida no projecto.

A sua palestra, Producing film in the digital age, focou-se numa curta entrevista do moderador ao produtor norte-americano, a sétima mini-intervenção num dos muitos palcos da Web Summit. Tinham-no precedido oradores do sector da realidade virtual, do vídeo 360º ou dos efeitos visuais, todos com títulos cabalistas mas com uma curta mensagem partilhada. “Tudo começa com a história e só depois vem a tecnologia”, como resumiu William Sargent, da maior empresa de efeitos especiais do mundo, a Framestore, que deu quase a mesma conferência em dois palcos distintos com vídeos dos seus projectos mais conhecidos – experiências de realidade virtual com A Guerra dos Tronos e com o novo filme com base em J.K. Rowling, Fantastic Beasts and where to Find Them. Uma média de 15 minutos para conversas ou exposições resumidas, enquanto parte da audiência trabalha em portáteis ou em smartphones, quando o wifi permite (houve falhas longas durante a manhã do penúltimo dia do evento), ou faz networking e outros anglicismos das novas tecnologias nos pavilhões onde moram as startups e empresas consolidadas. 

Ainda assim, as histórias contadas actualmente parecem dominadas por fórmulas. Super-heróis, adaptações de livros juvenis de fantasia, remakes. É “falta de confiança”, diz o produtor. Cresceu nos anos 1970, “a era dourada de muitos cineastas americanos”, e havia “confiança” na “visão” destes nomes. Agora domina o “pensamento defensivo”. O seu país viveu uma noite eleitoral que muita da imprensa está a descrever como de “surpresa” e “choque”, mas para o cinema e para a televisão Trump presidente “não significa nada. As pessoas que votaram em Trump vêem os mesmos filmes que o resto do país”. “Entretenimento é entretenimento, acho que não faz diferença na economia e na criatividade.”

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